sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

O Homem que Caiu na Terra

Entrevista com Alejandro Jodorowsky
Por Vladimir Cunha
yoyodine@hotmail.com


Para quem não sabe, Alejandro Jodorowsky é um dos artistas mais criativos dos quadrinhos e do cinema francês. Nascido no Chile em 1929, ele emigrou para a França no começo da década de 60 atraído pela escola de teatro do famoso mímico Marcel Marceau, de quem foi aluno durante algum tempo. No entanto, sua carreira só foi deslanchar de verdade no começo dos anos 70, quando lançou o cult-movie El Topo, sucesso underground que até hoje é exibido em cinematecas ao redor do mundo. Em seguida, iniciou uma bem sucedida carreira de argumentista onde criou, ao lado de Moebius, a fantástica série Incal e o quadrinho-poema Os Olhos do Gato.

Atualmente, Jodorowsky vive mais um momento de glória com o best-seller Metabarão, um álbum de quadrinhos que conta a história de um dos personagens mais conhecidos do Incal, e com o relançamento em DVD de El Topo, Fando y Lis, The Holy Mountain e Santa Sangre, seus filmes mais importantes.

A obra de Jodorowsky é caracterizada por um profundo misticismo e por tramas subjetivas e complexas. Devido a essa ousadia temática e conceitual, muitas vezes ele teve que lidar com o fracasso. É o caso de sua adaptação do livro Duna, de Frank Herbert. Com um roteiro que pouco ou nada tinha a ver com o original - e que, além da fantástica direção de arte de Moebius, contava com o tresloucado Salvador Dali em um dos papéis principais - ela foi boicotada pelos exibidores norte-americanos e nunca saiu do papel.

A primeira vez que eu tive contato com sua obra foi quando ganhei do meu pai um livro da série O Incal. Ao terminar a leitura, fiquei bastante impressionado com a complexidade do roteiro. Você acha que existe espaço para esse tipo de coisa num mundo tão superficial quanto o dos quadrinhos?
Acho que sim. Tanto que, quando comecei minha carreira esse era exatamente meu objetivo: usar os quadrinhos para discutir coisas mais sérias e profundas. Eu domino vários tipos diferentes de arte. Em cada uma delas eu procuro atingir um nível mais elevado de consciência.

Mas será que os quadrinhos podem ser usados para algo mais do que apenas divertir as pessoas?
Claro! Quadrinhos são uma forma de Arte. Qualquer arte oferece infinitas maneiras de se expressar. Não existem artes idiotas e sim artistas idiotas.

Quais são os seu autores de quadrinhos favoritos?
Harold Foster, que criou O Príncipe Valente, e Will Eisner, de The Spirit. Atualmente tenho lido muito os trabalhos de Robert Crumb, principalmente os quadrinhos do Mr.Natural.

Os quadrinhos passam por uma crise financeira muito séria nos dias de hoje. Voce acha que hoje em dia existe espaço para coisas mais experimentais que artistas como você e Moebius fizeram no passado, como, por exemplo, Os Olhos do Gato, um quadrinho que foge dos padrões mais convencionais?
Meu amigo, as pessoas do continente americano (tanto do norte quanto do sul) tem essa idéia de que o mundo se resume aos Estados Unidos. Na França não existe crise alguma nos quadrinhos. A minha série sobre os Metabarões é a quarta colocada no ranking das 50 publicações mais vendidas do país. Ela ja vendeu mais de 400.000 cópias somente este ano! E olha que cada cópia custa cerca de 15 dólares. Crise? Que crise? Este ano dois álbuns meus serão lançados nos Estados Unidos: Metabaron e Technopriests. Estou esperando para ver no que vai dar...


Aqui no Brasil as pessoas conhecem apenas o Jodorowsky quadrinhista e não o Jodorowsky cineasta. Fale um pouco mais sobre sua carreira na sétima arte.
Eu comecei durante os anos 70 e fiz quatro filmes que considero importantes. Todos eles são considerados cult movies, o que garante que eles continuem sendo exibidos até hoje nos cinemas de todo o mundo. Atualmente eu trabalho com um pouco mais de calma e não sinto aquela urgência de produzir tanto quanto antigamente.Fando y Lis, El Topo, The Holy Mountain e Santa Sangre (N.E: infelizmente todos inéditos no Brasil) são os meus trabalhos preferidos. Atualmente estão disponíveis para venda em VHS ou DVD.


Já que estamos falando sobre isso, o que aconteceu com sua adaptação cinematográfica de Duna?
A produtora era francesa e os custos de realização do filme eram altos demais para os nossos padrões. A única maneira de viabilizá-lo era conseguir nos Estados Unidos no mínimo dois mil teatros que se dispusessem a exibí-lo. O problema foi que as companhias de exibição se recusaram a fechar um acordo com a gente quando perceberam que era mais fácil fazer dinheiro roubando minhas idéias para o filme...não sei se você sabe mais foi assim que Alien e Guerra nas Estrelas começaram . Todos eles foram baseados em conceitos criados por mim para Duna.


De onde vem inspiração para compor uma obra tão complexa e cheia de significados?
Ela vem direto do meu subconsciente e também do contato com todo o tipo de informação que chega até mim: quadrinhos japoneses, filmes de terror, séries de TV, filmes de faroeste, quadrinhos, fotonovelas, Tarot, psicoanálise, pornografia, vídeo de heavy-metal, lutas de boxe, competições de luta-livre, corridas de touros, arte trash, misticismo oriental e de tudo o mais que eu observo no dia-a-dia quando estou tomando meu chá matinal em meu café predileto...


E quais os seus planos para o futuro?
Atualmente estou com 70 anos e continuo escrevendo como nunca. Se a minha mente e o meu corpo colaborarem comigo, pretendo continuar vivendo e trabalhando pelo menos até os 120 anos. Quem sabe, um dia, eu não estarei sendo entrevistado por seus netos e netas?

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