domingo, 20 de novembro de 2011

Civilização Empática (Empathic Civilisation), por Jeremy Rifkin


(Palestra por Jeremy Rifkin, na British Society for the Arts, 2010).

Nos últimos 10 anos houveram alguns desenvolvimentos muito interessantes nos campos de biologia evolucionária, ciência neuro-cognitiva, desenvolvimento infantil, pesquisa e muitas outras áreas, que começaram a desafiar alguns dos princípios que temos sobre a natureza humana e o significado da jornada humana. Mas há outro conjunto de referências surgindo nas ciências que é bastante interessante e realmente desafia essas suposições e com elas as instituições que nós criamos baseadas nessas suposições: nossas instituições educacionais, nossas práticas de negócios, as instituições de governo, etc.

Deixe-me levá-los de volta ao começo dos anos 1990s, para um laboratório sonolento em Parma, Itália, e os cientistas tinham uma máquina de ressonância magnética (RM) sobre um macaco enquanto o macaco tentava abrir uma noz, eles queriam ver como os neurônios iriam se acender. Então está lá o macaco tentando abrir a noz e os neurônios acendem e então por acaso, é assim que a ciência funciona as vezes, um humano entra no laboratório, não sei se por engano, e ele está com fome, ele vê o pote de nozes, pega um noz e tanta quebrá-la. O macaco fica totalmente chocado, quem é esse intruso no seu laboratório? E ele não se mexeu, ele só ficou olhando para o humano que estava tentando abrir a noz assim como ele estava fazendo alguns segundos antes, e os cientistas olharam para a tela da RM e os exatos mesmos neurônios estavam se acendendo como quando o macaco estava tentando abrir a noz, e os cientistas não tinham idéia do que era isso e pensaram que a máquina havia quebrado. Ele então fizeram RM com outros primatas, especialmente chipanzés com seu neocortex volumoso, e então foram investigar os humanos e o que eles encontraram repetidamente é algo chamado de neurônios em espelho. E isso quer dizer que aparentemente nós temos circuitos, alguns primatas, todos os humanos, suspeita-se que os elefantes e ainda não se sabe sobre golfinhos e cães, mas todos os humanos têm circuitos com neurônios em espelho então se eu estiver lhe observando, sua raiva, sua frustração, seu sentimento de rejeição, sua alegria, qualquer coisa, eu também posso sentir, os mesmos neurônios se acenderão em mim como se estivesse tendo aquela experiência. Na verdade isso não é tão estranho, se eu ver uma aranha subindo no braço de alguém sentirei um arrepio também.

Nós não damos valor a isso, mas temos circuitos para realmente experimentar a situação difícil de outras pessoas como se as estivéssemos experimentando nós mesmos. Mas os neurônios em espelho são apenas o começo de toda uma variedade de pesquisa que está ocorrendo na neuro-psicologia e pesquisa cerebral e de desenvolvimento infantil que sugere que nós temos mesmo circuitos não voltados para agressão e violência e interesse próprio e utilitarismo, mas que na verdade temos circuitos para sociabilidade, apego, afeição, companheirismo e que o primeiro impulso é, na verdade, um impulso empático.

O que é empatia? É muito complicado. Quando bebês estão no berçário e um bebê começa a chorar os outros chorarão em resposta, eles não sabem porque, é o sofrimento empático, está inerente à biologia deles. Por volta dos dois anos e meio uma criança começa a se reconhecer no espelho. É então que você começa a amadurecer a empatia como um fenômeno cultural. Então quando uma criança começa a se identificar, ela sabe que se ela estiver observando outra pessoa ter um sentimento, o sentimento que surge nela veio da experiência do outro. São dois seres separados. A noção do eu vem junto com a noção de desenvolvimento empático. Quando aumenta a noção do eu, aumenta o desenvolvimento empático.

Por volta dos oito anos de idade, uma criança aprende sobre o nascimento e a morte, aprende de onde ela veio, que ela só tem essa única vida, que a vida é frágil e vulnerável e que um dia ela vai morrer. Esse é o começo de uma jornada existencial. Porque quando uma criança aprende sobre a vida e a morte, e que ela tem essa vida única, ela percebe o quanto a vida é frágil e vulnerável.

É duro estar vivo nesse planeta, seja você um humano ou uma raposa navegando pela floresta. Então quando a criança aprende que a vida é vulnerável e frágil e que cada momento é precioso e que ela tem uma história única, isso permite à criança sentir o sofrimento do outro da mesma forma. Aquela outra pessoa, ou outro ser, pode ser um animal, também tem uma vida única, é duro estar vivo e nem sempre as chances são boas.

Então se você pensar sobre as vezes em que empatizamos uns com os outros ou com outros seres, é sempre porque nós sentimos seu sofrimento, nós tivemos uma noção da largura e profundidade da empatia e da celebração da vida. Então mostramos solidariedade com nossa compaixão.

A empatia é o oposto da utopia. Não há empatia no paraíso, eu te garanto, estou te contando antes de você chegar lá! Não há empatia no paraíso porque não há mortalidade. Não há empatia na utopia porque não há sofrimento. A empatia está firmada no conhecimento da morte e na celebração da vida e no querer que o outro seja e floresça. Ela é baseada nas nossas fragilidades e imperfeições.

Então quando falamos em construir uma civilização empática, não estamos falando de utopia, estamos falando da habilidade dos seres humanos de demonstrar solidariedade não apenas uns aos outros, mas para com as outras criaturas que também têm uma vida única nesse pequeno planeta.

Nós somos homo-empatjicus, então eis a questão: nós sabemos que a consciência muda ao longo da história, que nosso cérebro está conectado hoje de um jeito diferente do servo medieval e que o seu cérebro também é diferente daquele dos caçadores de 30000anos atrás. Então o que eu perguntei no início desse estudo 6 anos atrás é: Como a consciência muda ao longo da história? Porque eu queria imaginar a seguinte proposta: é possível que os seres humanos, que têm circuitos para o sofrimento empático, é possível que possamos extender nossa empatia para toda a raça humana como uma família expandida e para as outras criaturas como parte de nossa família evolutiva e para a biosfera como nossa comunidade comum? Se é possível imaginar isso, então talvez ainda consigamos salvar nossa espécie e nosso planeta. E o que eu vos digo aqui esta noite é que, se isso é impossível sequer de ser imaginado, então eu não vejo um meio pelo qual conseguiremos. A empatia é a mão invisível que nos permite esticar nossa sensibilidade para com o outro para que possamos coexistir em unidades sociais maiores. Empatizar é civilizar. Civilizar é empatizar.

Na sociedade dos caçadores pré-históricos a comunicação se estendia apenas à tribo local, à distância de um grito. Qualquer um que estivesse na próxima montanha era um forasteiro alienígena. Então a empatia se estendia apenas aos laços de sangue. Quando vamos à grande civilização agrícola hidráulica, a escrita nos permitiu expandir o sistema nervoso central e aniquilar o tempo e o espaço, unindo mais pessoas. A diferenciação das tarefas e o aumento do sentido do eu não apenas levou à consciência teológica, mas fez também com que a empatia se estendesse a uma nova ficção, que é, ao invés de se associar apenas aos laços de sangue, a associação por laços religiosos. Então um judeu dessa nova ficção começa a ver todos os judeus como família e a empatizar com os judeus, um cristão vê todos os cristãos como família e empatiza com os cristãos, os muçulmanos a mesma coisa.

Quando chegamos ao século 19, na revolução industrial, nós estendemos agora os mercados a áreas maiores e criamos uma ficção chamada Estado. Então, de repente, os britânicos começam a ver os outros na Grã-Bretanha como uma família estendida; os alemães começam a ver os alemães como família estendida, os americanos vêem os americanos. Não havia tal coisa como a Alemanha, não tal coisa como a França, essas são ficções, mas elas nos permitem estender nossas famílias para que tenhamos lealdade e identidades baseadas nessas novas revoluções complexas de energia da comunicação que aniquilam tempo e espaço.

Mas se nós fomos da empatia dos laços de sangue, para a empatia por associação religiosa, para a empatia baseada na identificação nacional, é realmente um passo tão grande imaginar que as novas tecnologias podem nos permitir conectar nossa empatia à raça humana como um todo numa biosfera única? E por que motivo pararíamos aqui na identidade de Estado nação? E ter somente empatia ideológica ou empatia baseada em teologia ou empatia baseada em laços de sangue tribais?

Nós temos a tecnologia que nos permite expandir nosso sistema nervosa central e pensar visceralmente como família, não apenas intelectualmente.

Agora, quando aquele terremoto afetou o Haiti, e depois o Chile, mas especialmente o Haiti, dentro de uma hora os twitters apareceram, dentro de duas horas haviam vídeos de telefones celulares , You Tube,e dentro de 3 horas a raça humana toda estava numa mobilização empática para ajudar o Haiti. Se nós fossemos, como sugeriram os filósofos do iluminismo, materialistas, auto-interessados, utilitários, buscadores de prazer, isso não poderia responder pela resposta ao Haiti.

Aparentemente, por volta de 175000 anos atrás, em um vale na África, havia 10000 humanos anatomicamente modernos caminhando pela grama, nossos ancestrais. Os geneticistas localizaram uma mulher base como a base de dados dos genes. Aparentemente os genes dela passaram para todos aqui nesta sala hoje, as outras senhoras não conseguiram. Fica ainda mais estranho: eles localizaram um único homem, essa é linhagem de base de dados da genética, e eles o chamaram de Adão do cromossomo Y, aparentemente um cara potente, seus genes passaram a todos aqui. Então aqui está a novidade: 6.8 bilhões de pessoas, em vários estados de consciência, teologia, ideologia, psicologia e dramaturgia, todos brigando uns com os outros com idéias diferentes a respeito do mundo, e, adivinhe? Nós todos viemos das mesmas duas pessoas, a Bíblia acertou dessa vez, nós poderíamos termos vindo de muitos, mas o ponto é que temos que começar a pensar como uma família estendida! Nós temos que ampliar nosso senso de identidade. Nós não perdemos nossa velha identidade nem mesmo nossos laços de sangue, mas nós expandimos nossas identidades para que possamos pensar na raça humana como nossos companheiros de viagem e nas outras criaturas como nossa evolutiva e a biosfera como nossa comunidade.

Nós precisamos repensar a narrativa humana. Se somos mesmo homo-empathicus então temos que trazer a tona a nossa natureza interior. Porque se ela não aparecer e for reprimida por nossos pais, nosso sistema educacional, nossas práticas de negócios e nosso governo, os instintos secundários: o narcisismo, o materialismo, a violência, a agressividade, afloram.

Se nós pudermos ter um debate global, que comece por aqui, na Sociedade Real Britânica para as Artes, o que aparentemente está ocorrendo. Para repensar a natureza humana, para trazer a tona nossa sociabilidade empática, para que possamos repensar as instituições e a sociedade e preparar os alicerces para uma civilização empática.

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