domingo, 6 de dezembro de 2009

E-book: Economia Criativa

PRÓLOGO

Ana Carla Fonseca Reis

Este livro surgiu de uma confluência de inquietações advindas de minhas navegações entre as esferas do marketing, da economia e da cultura. Inquieta-me profundamente mergulhar no universo cultural dos povos mais distintos e constatar que, quão mais singelos e vulneráveis são, menos percebem a diferença abissal entre o valor do que produzem e o preço que praticam, entre as esferas simbólica e econômica da cultura. Preocupa-me saber que aprendizes de ofícios culturais milenares e jovens talentos da nova mídia têm de abdicar de sua produção cultural para se dedicar a outra profissão, diante das dificuldades de circulação e financiamento de suas obras. Estarrece-me comprovar que insistimos em paradigmas socioeconômicos incapazes de promover o propalado bem-estar social, no eterno conflito entre justiça distributiva e eficiência alocativa, agora agravado por questões ambientais galopantes.

Ao longo dessa trilha de desassossegos tive o privilégio de conhecer um número crescente de outras mentes inquietas neste mundo que, paradoxalmente, valoriza a singularidade, o simbólico e o intangível, três pilares da economia criativa.

Dez entre os maiores questionadores dos dilemas que ora enfrentamos aceitaram compartilhar sua visão acerca da economia criativa como estratégia de desenvolvimento. São pensadores que se recusam a aceitar a perenidade dos paradigmas e se contrapõem, nas palavras de Facundo Solanas, à

estigmatização que parece sentenciar, como uma condenação perpétua,

a predestinada e insuperável permanência nesse caminho intermediário

entre o não-desenvolvimento e o desenvolvimento primeiro-mundista.

E por que a ênfase em economia criativa? Porque, na última década, poucos conceitos foram mais debatidos, menos definidos e tão pouco considerados de modo filtrado, traduzido e reinterpretado para países com contextos culturais, sociais e econômicos distintos, em uma miríade de vertentes: cidades criativas, indústrias criativas, economia criativa, clusters criativos, classe criativa, ativos criativos.

Entre modismo, ingenuidade e desespero, não foram poucas as tentativas de transportar um conceito adequadamente desenvolvido para um contexto a realidades distintas, sem a devida reflexão. A proposta deste livro é oferecer pontos de vista alternativos ao que hoje se entende por indústrias criativas.

Para explorar a solidez dos pilares que sustentam a chamada economia criativa como estratégia de desenvolvimento, cada autor deparou-se com três perguntas: o que é economia criativa? Poderia ser, de fato, uma estratégia de desenvolvimento?

Entendendo que sim, o que é necessário para que esse potencial se concretize?

A essas questões deram não apenas uma abordagem de seu contexto geográfico, mas adicionaram à sua análise aspectos que lhes pareceram particularmente relevantes.

As respostas não poderiam ter sido mais ricas, diversas em forma e consonantes em conteúdo. O chinês Chengyu Xiong traça um instigante histórico das indústrias culturais no país, recheado de estatísticas dificilmente localizáveis por pesquisadores estrangeiros. Ernesto Piedras oferece uma inspiradora abordagem econômica da cultura, em seu trânsito entre o público, o privado e a academia mexicana.

Andrea Davis, estrategista jamaicana, analisa com pertinência a criação de marcas culturais e a desigualdade na repartição dos benefícios gerados. Sharada Ramanathan desvenda um panorama crítico da economia criativa na Índia, fundindo com razão e poesia as esferas cultural, social, econômica e política. O argentino Facundo Solanas apresenta uma visão crítica do uso do conceito.

A Pernille Askerud e Máté Kovács coube uma missão continental, desempenhada com brilhantismo: destrinchar a situação e o potencial da economia criativa no rico caleidoscópio de culturas e quadros econômicos da Ásia e da África, respectivamente. Edna dos Santos Duisenberg e Yudhishthir Isar trouxeram uma visão global do tema, desfraldando um prisma privilegiado das urdiduras culturais, econômicas e sociais dos acordos multilaterais e das forças da globalização. Por fim, dediquei o capítulo com raízes brasileiras a uma vertente de singular importância do tema: a criatividade no contexto urbano, desmistificando a visão de cidades criativas como cidades globais.

A opinião dos autores não representa a postura oficial de seus países a respeito da economia criativa, nem lhes foi pedido que tivessem esse mandato. São livres pensadores, engajados em processos de transformação, profundamente envolvidos e conhecedores da realidade que expressam e cujas almas e mentes anseiam encontrar para seus países e conterrâneos um novo caminho de desenvolvimento, inclusivo e sustentável. Do mesmo modo, o Instituto Itaú Cultural, patrocinador e co-editor da obra, teve enorme sensibilidade em abraçar o projeto desde o início, sem jamais ter esboçado qualquer ingerência em seu conteúdo.

Cabe aqui fazer duas ressalvas, inerentes a análises abrangentes. Em nível macro, sob o leque de países classifi cados como em desenvolvimento encontram-se desde potências como a China até pequenos países africanos regulados por relações tribais ou comunitárias. Embora de economia singela, vários dos fenômenos criativos paradigmáticos em termos mundiais advêm de regiões pouco observadas, como o audiovisual da Nigéria ou a música na Amazônia brasileira. Porém, mesmo em termos individuais, os países não podem ser considerados de maneira homogênea. Várias Índias e Méxicos culturais, econômicos e sociais coexistem em um só país, exigindo um detalhamento que foge ao escopo deste livro.

Esta não é uma obra acadêmica, embora vários de seus autores provenham da academia. Sua proposta é construir uma reflexão a cada página, em um diálogo com o leitor. Foi justamente por isso que escolhi o modo mais democrático possível de nutrir esse debate: um livro digital, editado em três das línguas mais faladas no mundo, disponibilizado para download gratuito em todos os sites do mundo interessados no tema. Que muitas outras obras surjam e vençam fronteiras, fazendo esse e outros debates avançarem com a profundidade e a riqueza que nossas culturas merecem.

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Para baixar o livro: http://www.garimpodesolucoes.com.br/downloads/ebook_br.pdf

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