terça-feira, 20 de outubro de 2009

A revolução não será twittada

A revolução não será twittada

Acadêmico critica o 'liberalismo iPod', a ideia de que a web constrói a democracia e mostra casos contrários

domingo, 18 de outubro de 2009 16:37
por
Rafael Cabral

Pense rápido. Qual é a ideia que figuras tão diferentes quanto os últimos presidentes dos EUA compartilham, sem divergências? A resposta vem do pesquisador bielo-russo Evgeny Morozov, especialista na relação entre política e internet. Para ele, o que une esses líderes é a crença no “determinismo tecnológico” que resolveria grande parte dos problemas globais e a ideia de que, facilitando o contato entre pessoas – e visões de mundo –, a tecnologia seria, por definição, amiga da democracia.


Se o conservador Ronald Reagan acreditava que o “o Golias do totalitarismo seria derrotado pelo Davi do microchip”, o liberal Bill Clinton só via inutilidade em tentar barrar o potencial democrático da web. Se o republicano George W. Bush pedia que imaginássemos “a internet tomando conta da China e espalhando a democracia”, o democrata Barack Obama hoje vê na web 2.0 uma ferramenta diplomática para favorecer governos abertos.


“Todos gostaríamos de ser tão ciberotimistas quanto eles, pensando que sociedades fechadas como o Irã se abririam por causa da força das mídias sociais. Mas as coisas não são tão fáceis assim”, defende.
Autor do blog Net.Effect, da revista norte-americana Foreign Policy, Morozov critica a ciberutopia que impera no debate sobre a internet e política e o quase consenso de que a web 2.0 faz que países abertos caminhem para uma participação mais direta do cidadão, enquanto força países fechados à abertura. “Tanto faz se as crianças na África terão seu próprio laptop. Isso não resolverá seus problemas governamentais e a intolerância étnica. Não basta que elas acessem a Wikipedia e descubram o que é uma democracia de verdade”.


Morozov chama a atenção para um aspecto “que os fanáticos tecnológicos esquecem de observar”: se a internet ajuda manifestantes pró-democracia, ela pode também ser usada para que ditaduras se perpetuem. Os ditadores estão aprendendo a usar as mídias sociais. “Pense em George Orwell 2.0”, pede. Em vez de favorecer a democracia, a internet também serve para impedi-la. Para aqueles que Morozov chama de “ciberutópicos”, basta um dispositivo que se conecta à web para criar participação política: “É o iPod-liberalismo: acreditar que a tecnologia leva à liberdade. Só se fala do uso das redes sociais para a mobilização de grupos pró-democracia, mas é ignorado que o 2.0 também ajuda extremistas a impor sua agenda”.


O ativismo digital visto no Irã, em julho, quando manifestantes contrários ao presidente Mahmoud Ahmadinejad usaram o Facebook e o Twitter para mostrar ao mundo a repressão que sofriam, só foi possível, segundo Morozov, no momento em que os governos ditatoriais ainda insistiam em lutar contra a internet. Os manifestantes estavam sempre um passo à frente. Aos poucos, as ditaduras aprendem a usar o aspecto social da web a seu favor. Um exemplo é o Gerdab, assustador site iraniano que coleta fotos postadas em perfis de redes sociais de manifestantes anti-Ahmadinejad e pede que simpatizantes do governo ajudem na identificação e perseguição dos fotografados.


Já na Moldávia (país na Europa Oriental que foi parte da ex-URSS), forças locais de segurança criaram perfis falsos no Twitter para espalhar informações mentirosas, gerando um ambiente de instabilidade interna e propagando a desinformação para o exterior.


Cada vez mais os países autoritários veem a internet como um campo estratégico, em que precisam estar presentes. “A mudança social pode sim ser impulsionada por novas tecnologias, mas a internet também permite que governos autoritários contaminem a rede com propaganda e identifiquem dissidentes. Isso está se tornando uma padrão em governos autoritários”, defende.


Na opinião de Morozov. serão necessários muito mais do que 140 caracteres para mudar países como a China ou o Irã. “A política real ainda é a chave para mudanças reais”.

Colaborativa e autoritária

China: Uma prova de como a web 2.0 pode ser usada para manipular a opinião pública vem da China. Por lá existe uma organização de blogueiros contratados pelo governo chamada 50 Cent Party. Sua função? Entupir a internet de posts e comentários elogiando o poder público. A maioria ganha por texto feito, como freelancers, mas também existem alguns voluntários.

Egito: Há dois anos, Kareem Amer foi preso por conta de um post em seu blog que o governo considerou ofensivo. Desde então, floresceu uma blogosfera que a mídia do Ocidente saudava como uma das mais atuantes sob regimes autoritários. Para Morozov, eles esqueceram uma coisa: se os blogs pipocam, surgiram ainda mais páginas pró-Mubarak. Incentivadas pelo governo.

Rússia: No começo deste mês foi proposta a criação de uma Câmara dos Blogueiros, controlada pelo governo. A ideia é que o Kremlin agrupasse personalidades da web para criar um comitê que decidiria uma série de regras para o bom comportamento na web. Segundo Sergei Mironov, líder do partido Uma Rússia Justa, o Conselho ajudaria a “extirpar todo tipo de confronto virtual”.

Irã: Em julho, manifestantes contra o presidente Mahmoud Ahmadinejad escolheram as redes sociais para protestar. Mas isso foi antes de o governo aprender, ele também, a se beneficiar com o 2.0. “Toda essa movimentação nas redes sociais ajuda as ditaduras a acharem os revoltosos. A KGB torturava gente por semanas para conseguir essas informações", diz Morozov.

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