terça-feira, 7 de outubro de 2008

O SOM POLÍTICO DE MATTHEW HERBERT

Guilherme Werneck

O produtor e DJ inglês revitaliza a música eletrônica com boas idéias e engajamento
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Num cenário em que a música eletrônica foi massificada e, diluída, passou a sofrer de falta aguda de idéias, o produtor e DJ inglês Matthew Herbert é um antídoto para esse marasmo criativo.

Assim como uma série de produtores que se afastam da obrigatoriedade de compor para a pista de dança, Herbert chega à maturidade flertando com a música eletrônica produzida pelas vanguardas dos anos 60 e 70, mostrando preocupação não só em criar uma música original, mas também em usar suas idéias musicais politicamente.

Quem presenciou a sua apresentação com a Matthew Herbert Big Band, no último dia 8 de setembro em São Paulo, na abertura da versão brasileira do festival espanhol de arte eletrônica Sónar, pôde atestar esse lado político, além de ouvir uma das misturas mais bem feitas de eletrônica com jazz.

Herbert sampleava em tempo real a banda composta de uma seção rítmica tradicional (piano, baixo e bateria), mais cinco saxofones, quatro trombones e quatro trompetes. Os arranjos cristalinos da banda, que lembram os de Gil Evans para discos clássicos de jazz orquestrado, como "Miles Ahead", de Miles Davis, eram desfigurados pelas mãos de Herbert, que alternava momentos de transparência com outros de dissonância completa.

No plano político, atacou o primeiro-ministro britânico Tony Blair em duas projeções de vídeo, e a imprensa americana ao distribuir cópias do "USA Today" para serem rasgadas e amassadas pela banda. O som dos jornais rasgados eram sampleados e mixados ao som da orquestra.

Mas nem sempre as músicas de Herbert tiveram esse viés político. Seus primeiros lançamentos eram de música para pista, misturas de house e electro, sempre com uma mistura jazzy. O jazz, inclusive, é algo natural em Herbert, que estudou piano e aos 16 anos já tocava em uma big band inglesa.

Há alguns anos tive contato com algumas das faixas de Herbert para pista, mas me converti ao seu credo eletrônico após comprar o excelente "Bodily Functions", em 2001. O disco chamou a minha atenção pelo seu conceito.

Seguindo as regras que ele próprio criou para não "trapacear" como produtor, explicadas no manifesto PCCOM (Contrato Pessoal para a Composição de Música, na sigla em inglês), que não admite o uso de samples de músicas preexistentes e de baterias eletrônicas, "Bodily Funcitons" é composto usando samples de sons produzidos pelo corpo humano e tem lindas composições vocais cantadas por Dani Siciliano, hoje mulher de Herbert, que também se apresentou em São Paulo.

A internet me possibilitou ir atrás das outras músicas do produtor, lançadas sob diferentes heterônimos, como Doctor Rockit, Wishmountain e Radioboy, alguns deles já devidamente enterrados. Meu preferido é Radioboy, que encarna uma cruzada contra a globalização.

Seu único álbum, "The Mechanics of Destruction", é distribuído de graça na internet no site www.themechanicsofdestruction.com e traz faixas como "Nike", McDonald’s", "Hollywood", "Coca Cola", "Rupert Murdoch e Vivendi", entre outras. Nessas faixas ele cria uma música esquisita, usando samples relacionados com cada um dos temas, como o som produzido ao usar canudinhos para tomar refrigerante, no caso de "McDonald’s" ou discursos políticos, como em "Henry Kissinger".

A política volta a ser tema de Herbert em seu disco mais recente, "Goodbye Swingtime" (2003), o mesmo que foi apresentado com a orquestra na abertura do Sónar. Conversei com Herbert, por telefone, pouco antes de ele vir a São Paulo.

Falamos sobre a orquestra, sobre o estado atual de música eletrônica, de seu engajamento político e de seu novo trabalho, que deve ser lançado ainda neste ano, e tem como tema a dieta alimentar. Leia abaixo a entrevista, que teve trechos publicados na “Folha de S. Paulo”.

Você tem tocado o repertório do disco “Goodbye Swingtime" com a big bad há quase dois anos. O que mudou no som da banda durante esse tempo?

Matthew Herbert: O som ficou quase irreconhecível. Quando fomos para o estúdio os músicos nunca tinham visto a música antes. Nós tocamos duas vezes e depois já gravamos. E, claro, agora eles já tocaram umas cem vezes e a música sai bem diferente. Eles entendem que algumas partes têm de ser realmente desagradáveis e que outras têm de ser muito bonitas. Há muito mais controle e confiança agora. O disco é tímido se comparado ao som da banda.

É reflexo de sua timidez?

Herbert: Também existe uma timidez minha no disco e, depois, ao vivo. No palco com alguns dos melhores músicos da Inglaterra eu me perguntava o que iria fazer, qual seria a minha contribuição. Levou uns seis meses para eu me encontrar e não ficar com medo. Porque eles tocam lindamente e, às vezes, eu toco uma coisas bem feias por cima, esperando que algo surpreendente aconteça, o que nem sempre ocorre. Mas agora eu não tenho problemas em fazer barulhos altos na frente da banda.

Tocar com uma banda é uma forma de resolver um problema da música eletrônica, que é uma apresentação estática do artista com suas máquinas?

Herbert: Sim. Para mim é uma libertação. Eu gosto do fato de que, essencialmente, é um show de eletrônica, mas que, se faltasse energia, nós poderíamos continuar tocando. É uma coisa estúpida de dizer, mas, em um certo sentido, numa apresentação eletrônica você se sente menos músico, como se estivesse trapaceando. Não acredito que seja correto dizer isso em termos de composição, mas, ao vivo, eu sinto que em um monte de performances eletrônicas há trapaça mesmo, porque boa parte do som está estabelecida dias antes de você chegar ao show. É por isso que eu trabalho sampleando em tempo real, porque eu não consigo prever o que vai acontecer durante a noite.

Você criou muitos heterônimos: Doctor Rockit, Wishmountain, Radio Boy... O que o levou a criar personas diferentes para lançar músicas em estilos diversos?

Herbert: Na verdade, eu matei o Wishmountain, acabei de matar Doctor Rockit e provavelmente vou matar também o Radioboy. Eu acho que foi uma coisa um pouco ingênua. A música do Doctor Rockit era muito festeira e carregava um sentimento que eu não tenho mais. Hoje eu estou muito bravo com o governo para produzir música alegre. Eu toco música alegre, mas exijo que tenha peso, mais conteúdo e mais conceitos por trás dela. Não sou mais um garoto brincando no parque.

Eu gosto de saber porque tem árvores mortas no parque, porque a grama fica marrom, porque os cachorros fazem cocô em todo lugar. Eu penso que vou fazer tudo daqui para a frente como Matthew Herbert. Agora, eu estou trabalhando a minha linguagem musical. Está muito claro para mim porque eu amo a música, como eu escrevo música e o que eu quero alcançar com ela. Eu não preciso mais lançar discos sob nomes diferentes porque eu encontrei a minha voz.

No seu site é possível ver os custos da Guerra do Iraque em tempo real. Desde o princípio você se opôs à guerra e à política externa de Tony Blair. Você pensa que esse tipo de oposição é eficaz?

Herbert: Eu penso muito que quando você participa de uma comunidade artística, se quiser, você adiciona a sua voz ao descontentamento político. Se um jornalista escreve um artigo sobre o fato de que a guerra é ilegal, isso não pára a guerra. Se eu escrevo uma canção dizendo que a guerra é ilegal, ela também não pára a guerra. Mas, quando você combina uma música, um livro, um comentário no rádio, você se torna mais uma voz e deixa claro que você é parte de uma filosofia maior, segundo a qual é errado começar uma guerra. Eu acho que se você tem uma voz pública e se posiciona com paixão em relação a determinado assunto, você não tem outra alternativa a não ser achar uma forma de se expressar.

Você pensa que a política externa de Tony Blair e o fato de ele ter se mostrado submisso a George W. Bush desapontou os ingleses?

Herbert: Eu devo dizer que eu estou desapontado com ele no nível humano. Porque ele é um primeiro-ministro muito cristão e fala muito sobre moralidade nos mesmos termos que Bush o faz. Usar essa religiosidade e esse moralismo para dar suporte a uma guerra que vem sendo criticada em todo o mundo é uma situação muito peculiar, horrorosa.

Eu certamente penso que um primeiro-ministro de esquerda ser o melhor amigo do presidente que está mais à direita no mundo é muito estranho. E me impressiona o quanto Bush é radical na direção errada. Mesmo assim, usando a lógica, eu prefiro ele a Bill Clinton, porque Bush é claramente um alvo muito mais óbvio. Clinton fez coisas muito parecidas com as que o Bush faz, mas de um modo mais camuflado.

É por isso que em "Goodbye Swingtime" você sampleia o som de livros como "Rougue States", de Noam Chomsky, e "Stupid White Men", de Michael Moore, caindo?

no http://www.rizoma.net/

DOWNLOAD The Matthew Herbert Big Band - Goodbye Swingtime

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