terça-feira, 14 de outubro de 2008

MIRÓ: revisitado




No último dia 11, o poeta Hugo Lima concluiu mais um dos seus projetos. Trata-se de uma tatuagem no alto do braço esquerdo. Porém, como muitos sabem, Hugo Lima não seria Hugo Lima se tatuasse nomes, tribais, dragões, flores ou qualquer um desses desenhos que metade da população mundial tatuada escolhe para marcar o corpo. E mais uma vez, ele surpreende traçando a reprodução do estudo de uma das obras mais importantes do pintor espanhol Joan Miró. Como esse “grand événement” não poderia jamais passar em brancas nuvens, resolvi fazer algumas perguntinhas ao poeta e registrar aqui mais um grande momento em sua trajetória. A entrevista aconteceu no Café do Palácio, algumas horas depois da sessão no estúdio. (Por Clarice Spain)

C.S: Hugo, por quê Miró?

H.L: A vida e a obra de Miró sempre influenciaram direta ou indiretamente a minha poesia. Desde as suas sinuosas linhas coloridas ao seu obstinado silêncio. Ao transcender a pintura, ele procura escapar à experiência puramente visual, conduzindo a sua arte por meio de uma atividade sistemática numa direção mais conceitual. De forma menos ou mais sutil, é o que venho buscando em tudo o que tenho feito enquanto arte, não só na poesia. O movimento e a cor que ele dá às suas telas é o mesmo que impulsiona e colore a minha poética. A delicadeza e a consistência dos seus traços são os mesmos que eu tento reproduzir na minha obra. Sem contar que Miró também fez muitas pinturas-poemas aliando a cor à palavra ou ao algarismo. Eu talvez faça o processo inverso, poemas-pinturas, associando elementos da pintura na reprodução das imagens que descrevo em meus versos. A linguagem pictórica de Miró evolui num sistema de sinais e de cores que traduzem cada elemento da natureza e impregnam a mais pequena coisa de uma ressonância mágica. Sinteticamente, é essa a minha relação com a vida e a obra dele.

C.S: E por quê as “Constelações”?

H.L: Bom, pouco depois do deflagrar do conflito mundial, Miró inicia uma série de pinturas chamadas “Constelações”, nas quais ele cria um cosmos pontuado de estrelas, luas, sóis e diversos signos. Essa série se tornou um marco na sua carreira e é a obra mais importante em toda a sua trajetória artística. De todas, é também a obra que mais aprecio pela singularidade, pela riqueza de detalhes, pela genialidade e pela delicadeza que permeia todas as telas da série. São estrelas, pontos, traços assimétricos, olhos e uma infinidade de signos que compõem a linguagem única e introspectiva do artista. Talvez, capaz até de traduzir o seu silêncio obstinado, porque eu acredito que de nenhuma outra forma Miró poderia ser mais sincero senão através de sua arte. Ele sempre foi uma pessoa reservada e muito criativa e prezava a singularidade que, aos poucos, foi se tornando sua própria identidade. Isso ganha infinitas proporções nessa série, “Constelações”, porque aquelas imagens jamais serão reconhecidas em nenhum outro artista. E, se terão a mesma idéia daqui pra frente, eu não sei. O que eu sei é que fui o primeiro a reproduzir toda essa “singularidade” dos céus de Miró no corpo, a imagem que escolhi nunca havia sido tatuada antes e isso enriquece, de certa forma, a importância da minha homenagem a um dos meus artistas favoritos. (Neste momento, Hugo dá algumas risadas, pede uma água e conta rapidamente que logo após ter terminado a tatuagem, rasgou a fotocópia do tatuador e o proibiu de refazer a tatuagem em outras pessoas).

C.S: Foi dolorido?

H.L: Eu diria que valeu a pena.

C.S: E você pretende fazer outras tatuagens?

H.L: Não sei, Clarice. Sempre quis ter apenas 3 tatuagens. Todas elas com a sua devida importância pra mim. Jamais tatuaria algo pelo simples valor estético. Nesses casos, prezo muito mais o contexto do que a imagem em si. Tatuagem é algo que se estampa pra sempre, por isso deve significar algo muito importante. Tribos indígenas, hindus, budistas, aborígines tatuam seus corpos para comunicar, dizer, simbolizar, expressar alguma coisa. Daí o surgimento da tatuagem estética que é essa que as pessoas fazem a torto e a direita pelo corpo a fora. A minha intenção também é a de comunicar, dizer, simbolizar, expressar algo. Representar, com um corpo marcado, fases importantes na minha vida. A primeira já está pronta e muito bem feita. Pode ser que outras venham em breve ou ao longo de muitos anos. Pode ser que eu não faça mais ou que eu tatue outras 4 ou 5... Não sei ainda.

C.S: Mas seriam outras reproduções de Miró?

H.L: Não sei. Pode até ser que sim, por que não? Mas não acredito que vá fazer mais alguma reprodução dele. Propus tatuar “Constelações” como uma missão e está já está cumprida. Não descarto possibilidades, mas acho pouco provável...

C.S: E onde foi que você fez a tattoo? Com qual tatuador?

H.L: Com o Leandro, da Santa Madre. Ele é namorado de uma grande amiga minha e é o dono do estúdio.

C.S: Ok! Muito obrigada pela gentileza em me conceder essa entrevista e eu espero que essa tatuagem marque então uma nova e excelente etapa na sua vida.

H.L: Sim, já está marcando. Eu é que agradeço!

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