sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Imagens ordinárias (roteiro afetivo pelo universo do videoclipe)

Na paisagem audiovisual contemporânea, o videoclipe é uma arte menor.

Não menos pregnante, nem menos rentável. Não menos potente: menor. Como se diz do modo menor em música.

Como se diz de um mosquito que insiste no vidro,

ou de uma vida qualquer.

O videoclipe não é um produto audiovisual. Porque não são nossos olhos nem nossos ouvidos o que ele visa. Trata-se, antes, de uma máquina de afetos. Sim, há muito, o afeto se tornou maquínico.

Ao capitalismo, não interessa mais nos ensinar a olhar, nem como nos comportar. Ele prefere aprender a olhar por meio dos nossos olhos e a viver o nosso estilo de vida.

Os videoclipes são filhos bastardos. Não são criados por ninguém e não pertencem a ninguém: sobre eles, os diretores fazem declarações de desdém, dizem que foi por dinheiro. As bandas parecem entediadas. Os críticos não vêem e não gostam. Os caras
das gravadoras não sabem o que é. A televisão veicula. Você também pode ser um.


Há videoclipes sublimes.

Eles são ainda melhores quando ordinários.

Fazer um clipe deve ser como fritar ovos.

Na onda dos reality shows, a televisão não sabe muito bem o que fazer com os clipes. Hoje, nos diz Alain Ehrenberg, a TV abandona o espetáculo de variedades para se dedicar ao espetáculo de realidade. O videoclipe é o que resta dessa mudança. Algo
anacrônico, portanto.


Videoclipes se criam, ressoam, reverberam, refratam.

Muito antes da ciência, o videoclipe descobriu como produzir clones.

Da montagem

à modulação, da cidade às redes, da dialética ao looping. O videoclipe é a manifestação dessa passagem.

Mais do que uma apropriação do trabalho, o capitalismo contemporâneo – dito cognitivo, imaterial – opera uma expropriação da linguagem e de suas virtualidades. Torna a linguagem uma técnica, e a experiência, uma especialidade. O videoclipe é um lugar privilegiado onde esse processo se realiza. O clipe não pode se configurar como espaço critico. Ao manter-se na encruzilhada entre o profissional e o artesão, entre o consumidor e o amador, ele pode apenas ser ordinário.

O videoclipe está na passagem do consumo ao uso. Por isso, ele é, ainda, um lugar de profanação.


Profanar é trazer novamente ao alcance das mãos o que fora sacralizado.

Um bom videoclipe está entre a poesia e a conversa fiada.

Roberto Carlos, um de seus inventores.

O videoclipe é uma máquina paradoxal: sua temporalidade é aberta, distendida, porosa. Seu presente é extremamente presente, e, imediatamente, anacrônico. Porque o tempo do videoclipe é um tempo artificial e afetivo. Como desdobrar um plano-sequência de um take de 30 segundos?

O videoclipe cria o espectador, mas o mantém à deriva. O espectador do videoclipe: um flaneur hiperativo. Entre o zappeur
e o zombie.

O deslocamento que o clipe produz é um quase-nada no universo das imagens. Como uma parada para o cigarro e o café.

Sim, o videoclipe deve se modular em modo menor. E manter-se raro, em seu anacronismo.

Sua rarefação, sua ligação afetiva – pop – com a vida ordinária: isso pode ser tão político quanto o silêncio que o precede e que virá logo depois.

Faixa-bônus: só porque não podia faltar.

coletado daqui

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