segunda-feira, 28 de julho de 2008

O Apelo

O apelo (Nome próprio x Batman x Cinema Brasileiro)


O filme Nome Próprio é inspirado nos livros Máquina de Pinball e Vida de
Gato, de Clarah Averbuck. Há semanas, namoro o seu lindo cartaz. O
trailer instigou. Vejo todos os filmes brasileiros relevantes. Não
perderia por nada Nome Próprio. Conheço os atores. Escuto as músicas
indicadas no seu blog, ''as músicas de Camila''; a personagem central.

Mesmo assim, o apelo postado pelo diretor Murilo Salles, e a presença da
protagonista Leandra Leal, panfletando humildemente o Baixo Leblon, Rio
de Janeiro, para que o maior número de pessoas assistisse ao filme no
primeiro fim de semana, comovem.

Eu iria independentemente da convocação. Sou fã da obra de Salles, que
estreou em 1986 com o longa que melhor traduz o clima que vivemos
durante a ditadura, Nunca Fomos Tão Felizes.

Em São Paulo, Nome Próprio está em apenas duas salas. No Rio, idem.

Fui assistir correndo, como uma missão. O desespero era para que anos de
trabalho não caíssem no esquecimento, explicou o diretor, já que
exibidores retiram os filmes que não vão bem no lançamento.

Salles resumiu num artigo para O Globo o seu drama. Afirmou que a
situação do cinema no Brasil é perversa: enquanto multiplicou por cem o
número de filmes ofertados, o número de salas diminuiu, e a maioria é
ocupada pelo cinema americano, que lança blockbusters com mais de 200
cópias. Lembrou que os cinemas de shoppings são para a classe média, mas
ela prefere ver filmes em casa, em telas de LCD, ou baixar gratuitamente
através de conexões rápidas, e que o preço do ingresso é o mesmo da
Europa. Ele pede uma política de exibição, para dar
auto-sustentabilidade ao cinema brasileiro.

Fingimos que existe um mercado, quando na verdade a maioria dos filmes
nacionais faz menos de 20 mil espectadores, e as produções são
patrocinadas ou financiadas por isenção fiscal.

Batman - O Cavaleiro das Trevas é o concorrente de Nome Próprio. Estreou
no mesmo dia. Não em 200, mas em 540 salas. Com o incrível Heath Ledger,
como Coringa, e um elenco de peso (Christian Bale, Gary Oldman, Aaron
Eckhart, Michael Caine e Morgan Freeman), ele ajuda o nosso mercado, da
exibição à distribuição.

Muitos cinemas sobrevivem graças a ele. Novas salas abrem em shoppings,
porque o super-herói, assim como outros, tem seguidores. Através do
artigo 3º, que taxa a remessa de lucro das majors (grandes estúdios), e
as obriga a investir no cinema nacional, alimentamos a nossa indústria.

Com o lucro de O Cavaleiro das Trevas no Brasil, a Warner produzirá
filmes brasileiros. Como a Columbia produziu, com o lucro do anti-herói
Spiderman (Homem-Aranha), Meu Nome Não É Johnny, que deu lucro, e Nina,
o primeiro filme do cultuado Heitor Dhalia, que deu prejuízo. Um
paradoxo que funciona, mas não satisfaz.

Não se pode afirmar que este Batman seja o melhor de todos. Mas é o mais
falado.

Os personagens se debruçam sobre as contradições que sufocam a sociedade
contemporânea. Ética, psique humana e psicopatia social são debatidas
entre um soco e outro, como se Hegel e Nietzsche saíssem na porrada numa
Gotan City dominada por máfias.

Heróis e vilões citam dilemas faustianos que paralisam, e colocam em
questão o anacronismo dos métodos de se fazer política externa dos EUA -
ou combater o crime no Brasil. Ante o herói que faz justiça com as
próprias mãos, Coringa reclama: ''Ninguém mais quer a sua força!''

Entre as dúvidas que perseguem Batman, uma delas reflete o sentimento
que muitos americanos têm, quando vêem bandeiras do seu país queimadas
em praças públicas: ''Eu pensei que estava dando o bom exemplo e
inspirando.'' Mas sob o império da força é o caos que reina.

O filme explora o racismo que sobrevive graças à xenofobia das economias
ricas. A gangue de mafiosos, mencionados como ''terroristas'', é
composta por russos, negros, italianos e chineses. Quem trai o chefe de
polícia Gordon é Ramirez, uma policial latina. A esperança de que a
Justiça consiga através da inteligência vencer a tortura está nas mãos
do homem loiro, incorruptível, o promotor Harvey Dent, um autêntico WASP
(White, Anglo-Saxon and Protestant). É a sombra de Batman. E a resposta
contra as prisões ilegais de Guantamano e Abu Ghraib. É o futuro, admite
o próprio justiceiro mascarado.

Antes, Batman era aplaudido por fazer justiça com seus métodos. Agora, é
perseguido, processado e criticado. Estão lá todos os recursos da
decadente política Bush para combater os inimigos, como as escutas
telefônicas ilegais, e os temas da campanha eleitoral à Presidência.

Porém, o filme não cai no maniqueísmo barato. O loiro é ferido
moralmente, seu rosto, desfigurado. Coringa acaba fazendo a sua cabeça e
o convida para a anarquia. A pergunta que se faz é se mesmo atrás do
homem bom não vive um monstro a ser desperto. ''A maldade é como a
gravidade, basta um empurrãozinho'', afirma Coringa. Todo homem tem duas
caras?

Nome Próprio tem câmera nervosa - digital e operada pelo próprio diretor
-, closes, poucas locações e solidão. Camila, blogueira sem dinheiro,
decide escrever um livro. Sobre o que, o amor, um sentido, um foco?

A personagem reclama que sua cabeça é um caos. Estranhamente, ela trai e
engana quem gosta. Abre o jogo para todos na rede, instrumento que adota
para se expressar, pedir socorro e colo, ignorando os limites da sua
intimidade. Perguntamos: O amor que ela sente não é platônico (virtual)?

Clarah, autora da obra, gostou. Porém, afirmou que Salles escolheu fazer
uma outra protagonista: ''Um dos pilares da minha Camila é o sarcasmo,
ela tira onda da própria desgraça, e a do filme só sofre, ficou um pouco
chata.''

O vazio de Camila (excelente Leandra Leal) é diferente do de Gabriel
(Roberto Bataglin), de Nunca Fomos Tão Felizes, que passava os dias sem
fazer nada dentro de um apartamento, esperando o pai, misterioso
militante político.

Não vou cair aqui em falsas comparações - uma geração com bandeiras
versus outra dominada pelo umbigo -, mas indicar que é desanimador saber
que algo sempre permanece e não depende do ambiente e da época que nos
cercam: o vazio.


Marcelo Rubens Paiva

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