sábado, 15 de março de 2008

TRÊS IMAGENS DO DESEJO

* Gregório F. Baremblit

Propor-se falar acerca deste tema, de maneira simples e clara, é um verdadeiro desafio. A palavra Desejo tem uma longa e importantíssima tradição histórica, tanto no Oriente como no Ocidente, e está plena de diversidades, complexidades e matizes. Essa importância é, sobretudo, Ética, porque a imagem de Desejo na que se acredita, ou a que se assume contém, implícita ou explicitamente, valores que tendem a conduzir a existência em um determinado sentido ou em outro.Em primeiro lugar, no discurso leigo e cotidiano, fala-se de Desejo como de um sentimento e um impulso mais ou menos conscientes e voluntários próprios de alguém e segundo os quais uma pessoa, ou um conjunto de pessoas, quer algo. Esse algo pode ser uma imensa e variada qualidade e quantidade de coisas, estados ou entidades, concretas ou abstratas às quais, generalizando, se costuma denominar objetos do Desejo.

Mas o Desejo, assim entendido, tem também um objetivo, que se supõe consistir na procura de prazer e na evitação do desprazer, ou do sofrimento - para esse alguém que deseja um objeto e o consegue. Obviamente, quem deseja um objeto com esse objetivo, se o procura é porque não o é, ou porque não o possui. Ou seja, porque lhe falta isso, mas, esse objeto desejado, exista ou não, é conhecido pelo interessado.Não obstante, desde a mais remota antigüidade, até a modernidade contemporânea, existe outra Imagem do Desejo.

Trata-se de um sentimento e um impulso inconsciente e involuntário, ou seja, desconhecido e incontrolável para seu portador ou seus portadores, que não sabem e não dominam esse querer, nem o que querem, nem para que ou por que o querem. Isso não impede, é claro, que esse Desejo inconsciente e involuntário dirija suas vivências, suas experiências e seus atos.A versão atual mais difundida desta Imagem do Desejo é, sem dúvida alguma, a postulada e implantada por diversas correntes da Psicanálise.

Em suas versões mais sofisticadas, a Disciplina freudiana sustenta que o Sujeito do Desejo (ou “quem deseja”) é uma parte do Sujeito, radicalmente separada do que se conhece como o Eu consciente e voluntário, por uma barreira ativa chamada Recalque.Mas, o que esse Sujeito Inconsciente deseja é um Objeto que, não apenas não existe na realidade, senão acerca do qual nada sabe. Esse objeto é imaginário e a finalidade do Desejo é montar uma cena inconsciente (como dizia Freud metaforicamente) “alucinada” à que se chama de “Fantasma”, segundo a qual, o Sujeito elimina sua diferença com o Objeto, se “torna Um” com o Objeto. Como resultado da construção desse Fantasma, o Sujeito, não só obtém uma cota de prazer e uma evitação do desprazer inconscientes, senão que, em extremo, deseja acabar com o Desejo em si mesmo, parar de desejar, ou seja, obter a felicidade como um estado definitivo, o que os psicanalistas denominam Gozo e que se parece em muito com a Morte.

A única maneira de conseguir que o Desejo inconsciente, assim concebido, seja aproveitável para conduzir a existência do Sujeito na direção da conservação de si mesmo e da espécie humana consiste em que (com ajuda técnica, ou não) o mesmo consiga significar ou simbolizar seu fantasma conscientemente. Isso implica aceitar que seu Desejo não tem , a rigor, Objeto Real, que sua “realização plena” é impossível, e que ele, o Sujeito, é um Ser constitutivamente carente, um animal que, obrigado a aprender a falar, teve que renunciar parcialmente aos objetos reais e, em consequência, ser movido pela busca dessa “falta de Objeto” ou “Objeto Faltante” e condenado a não encontrá-lo jamais.

Mas há uma terceira Imagem do Desejo, que também mostra uma tradição histórica e que no presente é sustentada por importantes pensadores. Essa Teoria propõe-se que o Desejo não é uma força apenas própria dos Sujeitos (consciente ou inconsciente), senão, que é uma força da Realidade

Potencial Infinita (”o que deseja”) que se gera a si mesmo tanto quanto a todas as modalidades que compõem a Realidade (natural, mental, social e tecnológica). Essa afirmação não implica dizer que essa Força Substancial seja como um Sujeito, senão, que os Sujeitos são apenas um produto (melhor ou pior fabricado) integrante da Realidade.Esse Desejo, que é, ao mesmo tempo, o que deseja e o desejado, é também seu próprio Objetivo: o de produzir incessantemente novas Realidades. Esse Desejo é Potência Produtiva, e a essa Produção pode-se chamar (um pouco poeticamente) Produção Desejante.

Deve-se ainda acrescentar: que a esse Desejo, que inventa todos os Objetos, mas que se define pelos que todavia não foram inventados, nem por isso lhe falta objeto, ele não carece de nada, seu objetivo está mais além do imaginário ou do simbólico, do possível e do impossível, do consciente e do inconsciente, do voluntário e do involuntário. Esse Desejo funciona (produz) por sua própria “natureza” e não porque lhe falte ou lhe sobre nada antropomorficamente falando: seu Desejo é Produzir.

Se é certo que as Teorias não são neutras, senão, que tendem a orientar a Vida dos Homens, cabe perguntar ao leitor: de acordo com qual destas três Imagens do Desejo lhe gostaria de viver?

* Coordenador Geral do Instituto Felix Guattari de Belo Horizonte; Docente Livre de Psiquiatria; Psicoterapeuta; Analista Institucional; Esquizoanalista e Esquizodramatista.

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