terça-feira, 11 de março de 2008

drummond

política
a mário casassanta

vivia jogado em casa.
os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
o jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a câmara em exercício.

entrou a tomar porres
violentos, diários.
e a desleixar os versos.
se já não tinha discípulos.
se só os outros poetas eram imitados.

uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à tona pelas ruas escuras.
parou na ponte sobre o rio moroso,
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.
e teve vontade de se atirar
(só vontade).

depois voltou para casa
livre, sem correntes
muito livre, infinitamente
livre livre livre que nem uma besta
que nem uma coisa.



sentimento do mundo, carlos drummond de andrade

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