quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Como sobreviver no primeiro mundo? – parte VI

por Carol Sbaile

Sbaile em: Luzes! Câmera! Desastre!

Sei que faz um tempo que não envio os textos a vocês. É que a vida aqui
anda doida.
Ainda tô lá no restaurante grego trabalhando.
Ainda tô estudando.
E não tô mais namorando.

- Jeremy, você é um banana.

Essa foi a última coisa que disse ao meu ex. De fato, o Jeremy é um
banana. E de banana o mundo tá cheio. E eu, cheia dos bananas!

Minha vida amorosa é um caos e o principal motivo disso é a minha visão
a respeito dos homens. Homens são bananas.

Chorei após o meu término com o Jeremy porque todo final de
relacionamento é triste. Só por isso. Ah, e porque eu sou mulher. E talvez porque
eu seja latina também.

Enfim. O Jeremy já era.

Fica aquela sensação de que tá faltando alguém. Mas quem?

Deixei pra lá. Tenho tanta coisa pra fazer que, no geral, deixo minha
vida amorosa de lado. Vou de pantufas pra faculdade.

Professor de Pós Produção:

- Sbaile, você veio pra faculdade de pantufas?
- Huh?
- A Srta. veio à universidade de pantufas?
- Ah! É... tá frio hoje.

Tá. Aí eu penso comigo mesma: Como vou conhecer o homem da minha vida
quando estou de pantufas?

Mas depois penso de novo: Foda-se o homem da minha vida. Já me basta
aguentar o meu chefe grego gritando o dia todo comigo e o Professor
DelSordo explicando sobre rotoscopia avançada às 7 da manhã (E não,
rotoscopia não é um exame médico!). Não tenho tempo de escolher salto alto às
cinco da matina quando acordo.

Saio da faculdade e vou pro trabalho.

- Boa noite, Nick. Tudo bom?
- Atrasada de novo! Não sei mais o que fazer com você.
- Foi mal, Nick. Fiquei trancada num laboratório fazendo rotoscopia por
cinco horas hoje.
- Você tá doente?
- Hmmm… Vou ficar boa logo, não esquenta.

Tem um garçom novo trabalhando comigo: o Bobby. Segundo o próprio
Bobby, ele é apaixonado por mim.

O Bobby tem 19 anos.

- E então Sbaile... O que vai fazer no dia dos namorados?
- Trabalhar.
- Quer ir tomar um sorvete depois?
- Bobby... Na boa...
- Eu só preciso de uma chance!
- Quer que eu te faça feliz, Bobby? Escuta essa, ganhei um convite pro
show do Flogging Molly no próximo final de semana mas tenho que
trabalhar. Vai ser em Orlando. Quer ir no meu lugar?
- Sbaile… Um dia, eu vou casar com você. Sério, eu morro de amores por
você!

O Bobby usou a palavra amor. Eu parei e refleti um minuto sobre o que
ele estava falando.

Já há algum tempo eu não ouço que alguém me ama. Lembrei do Jeremy, que
eu nunca amei. E depois lembrei do Edu, que eu amei desde o dia em que
vi pela primeira vez. Ele tava usando uma camisa que tinha o mapa do
metrô de Nova York estampado quando virou pra mim pela primeira vez e
disse “Oi”.

Eu amava o Edu antes de conhecê-lo. Eu tinha amado o Edu por dezoito
anos quando o conheci.

- Bobby... Você não faz idéia do que é morrer de amores.
- Claro que faço!
- Amor só existe quando é recíproco.
- Mentira. Amor só existe quando é incondicional.
- Amor incondicional que não é recíproco vira puro sofrimento.
- É isso que você faz comigo, Sbaile. Você me deixa no completo estado
de sofrimento.
- Bobby... Você não faz idéia do que é sofrimento.

Tirei cinco minutos de break pra fumar um cigarro.

Naquela mesma semana, eu gravaria meu comercial para a aula de Produção
Televisiva. O professor dessa matéria, Sr. Brad Waterman, tem um
problema comigo: ele acha que eu não tenho talento algum.

Sou ignorada durante a aula inteira. O Sr. Waterman não liga pras
minhas idéias ou comentários; às vezes ele franze as sobrancelhas e faz uma
cara de dúvida que vem seguida de:

- Desculpa, não estou entendendo seu sotaque.

O projeto tinha que ser um comercial para TV e o professor foi bem
claro quanto ao que queria:

- Algo memorável! Que vire marca, que fique na cabeça do espectador.

Minha idéia foi um comercial do Axe para mulheres. Logline simples:
Homem está com a namorada, vai ao banheiro e decide usar o Axe da menina.
Homem sai do banheiro transformado numa loira gostosona. Entra o
slogan: “Novo Axe para mulheres. Somente para mulheres”.

É claro que o Sr. Waterman não gostou da idéia.

- Que se foda esse maldito Waterman! Não vou dar bola pra um filho da
puta chamado Waterman. Que porra de nome é esse, afinal?

Possuida por uma raiva sem fim e cansada das críticas do maldito
professor, desenhei uma caricatura do mesmo: lá estava ele, vestido de super
herói, com capa e tudo. A arma do Water Man é o próprio pinto dele, que
na verdade é uma mangueira gigante. Water Man é o super-herói bombeiro
da nova geração.

Afetado por uma doença terrível de gigantismo peniano, o pequeno Brad
não sabia aonde enfiar o pau durante toda infância. Cresceu sem fazer
sexo. Aos 16, viu os meninos do colegial colocarem fogo no laboratório de
ciências.

Mas Brad morria de medo de fogo. Lembrou do trágico episódio no qual
sua mãe pega o marido na cama com outra e queima ambos, o pai do Brad e a
amante, vivos!

Sem saída ao ver todo aquele fogo na escola, o pequeno Brad não viu
outra alternativa se não se mijar inteiro.

E foi aí, meus caros... que little Brad se transformou pela primeira
vez em Water Man – o super-herói bombeiro da nova geração...

- Triiiimmm.... Triiimmm.

Mas que merda de telefone! Quem me liga às onze da noite enquanto tô no
meu ápice de criação cartoonista?

- Oi Sbaile. É o Aaron, da aula de Produção Televisiva.
- Ah.

Aaron é um caipira do Alabama. Gente boa o garoto.

- Tô precisando de ajuda com o meu comercial. Você pode me ajudar com a
iluminação?

Pelo menos alguém percebeu que eu tenho talento!

- Tá. Você me ajuda com o meu comercial do perfume?
- Fechado.

Aquela semana tava uma loucura. Era semana de prova e minha tia
resolveu trocar o silicone por um ainda maior e fazer lipo nas ancas.

A reforma da titia significa, basicamente, que eu teria que ficar
cuidando da paciente em casa no meu tempo livre.

Bicho! Semana de prova, a faculdade fica uma hora da minha casa,
trabalho, estágio e a porra do projeto pro professor com gigantismo peniano.
Não tem outra semana pra trocar a porra do peito?

Eu fiquei doida. Pensava nos milhões de coisas que tinha pra fazer,
contas a pagar, sofrimentos amorosos, provas para estudar... E o peito
novo da minha tia!

Olha, pra ser sincera, se peito tamanho 48 levasse você a algum lugar,
eu estaria bem melhor do que tô agora, viu...

...Enfim.

O negócio é que eu tinha que provar para o filho da puta do Professor
Waterman que eu tinha talento, sim senhor! Só que quem paga a faculdade
é a minha tia que resolveu dar um jeito na carcaça; então era mais que
meu dever cuidar da mulher que me dôou 40 mil dólares em créditos
universitários.

Que situação!

O Aaron concordou em ser meu ator. Eu só tinha o sábado pra filmar.
Tinha um sábado, o Aaron e minha tia na mesa de cicurgia até às 6 da
tarde. Arrumei uma modelo pra fazer o papel do cara quando sai do banheiro
transformado numa gostosa. Ela é loira, ele é loiro. Ela tem olhos
verdes, ele tem olhos verdes. Ela é uma puta gostosona!

Melissa Schummacher. Minha modelo. Linda! Rosto de capa de revista,
malhadona, cabelo comprido, sobrancelhas largas, peitos 48. Taí a prova de
que peitos 48 não te levam a lugar algum. Se levassem, a Srta.
Schummacher estaria num comercial real do Axe e não trabalhando de graça pra
mim num projeto merreca de faculdade.

Sábado. 6 da manhã. Eu dirijo até Fort Fucking Lauderdale e pego uma
Canon HD, kit com 4 luzes para estúdio, tripé, rodas para tripé, monitor,
cabos RGB e um Jib.

Você não sabe o que é um Jib, né? Pois é... O Jib é um trambolho
gigantesco que é colocado horizontalmente sobre o tripé e ajustado com sacos
de areia. Dessa maneira, o Jib funciona como uma gangorra. A câmera,
por sua vez, é colocada no topo do Jib. As rodas para o tripé vão,
obviamente, abaixo do tripé.

Tudo isso permite que você tenha movimentos panorâmicos e ângulos
extremamente altos.

Também peguei um merlin: suporte para câmeras que oferece balanço ideal
para movimentos humanos. Por exemplo, pessoa correndo ou andando.

Tudo isso não leva menos de uma hora e meia para ser ajustado.

Filmar é, infelizmente, tão complicado quanto parece. Agora... Eu sou
uma amadora total. Imigrante latino-americana com um inglês meia boca
usando equipamento profissional. É claro que nada vai funcionar do jeito
que deveria.

O Jib não sobe, o monitor não liga, o merlin tá parecendo um pinto
brocha e a câmera fica caída pro lado, os atores já estão de saco cheio, a
sombra no rosto da Melissa atrapalha o take e a cor vermelha da parede
está vazando na tela.

São três da tarde quando tudo finalmente está funcionando.

São oito da noite quando terminamos de filmar um comercial de 30
segundos e minha tia está histérica no quarto porque as luzes de estúdio
esquentaram a casa toda e ela ficou suando feito um porco antes do abate
durante duas horas.

A próxima semana chega e eu tô um fiasco de ser humano. Pra me ajudar
bastante, os freios do meu carro decidiram parar de funcionar. Tô eu no
meio da estrada, sem freios e com um Jib no topo do carro amarrado por
cordas de Ski que meu vizinho me arrumou. Perdi o dia de trabalho,
levei berros do grego (em grego com tradução para o inglês) e morri com 230
dólares entre guincho e mecânico.

Chego em casa e vejo flores na mesa. Flores?

- Dia dos namorados. Meu namorado me mandou flores e chocolate. – minha
tia.
- Então fala pro imbecil do seu namorado que ele é um clichê em forma
de ser humano macho branco adulto americano que faz clareamento
dentário! (Ele realmente faz clareamento dentário!!!)
- Credo! Que humor!
- Maldito dia dos namorados do cacete! Casais felizes são um porre!
Fooooodam-se vocês, casais felizes do inferno! Morram!!! Aaaaahhhh!

Me tranco no quarto e durmo de jeans.

Dia da apresentação dos comerciais.

- Meu comercial tá uma droga.
- Seu comercial tá o melhor de todos, Sbaile! Profissional pra cacete!
– Aaron.
- Caralho, Sbaile... Como você pegou esses ângulos aereos? – Jimmy.
- Sério que vocês acham que tá bom?
- Sbaile, seu projeto é o que eu chamaria de... simplesmente...
profissional. Algo que eu consigo imaginar a própria marca Axe usando. As
cores, o modo como os brilhantes do vestido da sua modelo refletem nas
paredes vermelhas, os ângulos aereos, a direção de atores... Tudo me parece
profissional. Parabéns, foi um dos melhores comerciais que eu já vi na
história dessa aula. – Sr. Waterman.

E a partir daquele instante, tudo começou a se juntar na minha cabeça:
Os freios que não funcionam, a lipo da minha tia, os meus dramas
amorosos, meu chefe me xingando... naquela hora, eu entendi porque os
sacrifícios valeram a pena e porque a minha vida idiota no sul da Flórida faz
total sentido. Foi, de longe, melhor que flores e chocolates.

E para os que querem ver o comercial, uma notícia trágica: esqueci
minha senha do Youtube. Vou criar uma conta nova e postar a versão para
internet logo, logo. Aguardem!

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