quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

ARTE POÉTICA


O fazedor
Jorge Luis Borges










Mirar o rio, que é de tempo e água, E recordar que o tempo é outro rio, Saber que nos perdemos como o rio E que passam os rostos como a água.




E sentir que a vigília é outro sonho Que sonha não sonhar, sentir que a morte, Que a nossa carne teme, é essa morte De cada noite, que se chama sonho.










E ver no dia ou ver no ano um símbolo
Desses dias do homem, de seus anos,
E converter o ultraje desses anos
Em uma música, um rumor e um símbolo.











E ver na morte o sonho, e ver no ocaso Um triste ouro, e assim é a poesia, Que é imortal e pobre. A poesia Retorna como a aurora e o ocaso.

Às vezes, pelas tardes, uma face
Nos observa do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria face.


Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao avistar sua Ítaca
Humilde e verde. A arte é essa Ítaca
De um eterno verdor, não de prodígios.


Também é como o rio interminável
Que passa e fica e que é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante que é o mesmo
E é outro, como o rio interminável.



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