terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Jean-Louis Comolli

O que distingue, basicamente, o documentário de uma produção de padrão hollywoodiano?
A prática cinematrográfica, hoje, não é totamente livre. Ela obedece a certos “constrangimentos”, principalmente relacionados ao dinheiro. O documentário precisa encontrar formas de ultrapassar tais obstáculos. No cinema de ficção, o dinheiro resolve tudo. Pode-se, por exemplo, reconstituir qualquer ambiente. Em estúdio, refaço até mesmo as pinturas de Michelangelo. No documentário, tudo é diferente. Diante das dificuldades, precisamos inventar outras formas de filmar. O fato de não ter dinheiro para reconstruir determinadas situações é o que obriga o cineasta a procurar outros caminhos. Ou ele faz isso ou abandona o projeto do filme. O interesse do documentário, pois, vem exatamente da superação das dificuldades. É preciso inverter, dar uma reviravolta na perspectiva habitual, a do mercado, que diz quando eu posso ou não posso fazer algo. Essa lógica é chata, entediante. A força do documentário está na invenção diante das dificuldades. Assim ele se torna um cinema próprio.

O senhor acredita no potencial de transformação político-social do cinema?
A força de transformação do documentário pode ser medida por sua oposição às mídias e ao sistema de informação como mercadoria. O documentário opõe-se à espetacularização midiática. Não se trata, simplesmente, de lutas políticas, de conteúdo ou de discurso. Trata-se da concepção de novas relações. O documentário expressa novas maneiras de pensar o cinema, contrárias ao sistema de informação em vigor, à indústria da mercadoria, à informação dominante produzida pelas mídias. A informação midiática, antes de tudo, é uma mercadoria vendida ao espectador. Já no cinema, o espectador é atravessado por uma experiência. Ele vive algo. No jornal ou diante da TV, não vivemos, apenas compramos. No cinema, adquirimos conhecimento que passa pela vivência.

Como o senhor analisa, a idéia, muitas vezes propalada pela televisão, de que uma imagem vale por mil palavras?
É um erro acreditar que a mídia produz imagens. Na verdade, ela produz apenas discurso. Nenhuma dessas formas visuais é perene. Na TV que hoje conhecemos, não existe plano com duração maior do que 7 segundos. Temos, ali, informações cibernéticas, que, no entanto, não são imagens. Na verdade, a televisão destrói as imagens. É falsa a idéia de que uma imagem valeria mais do que mil palavras. Se tivesse que escolher, eu ficaria com as mil palavras. Mas a TV também não abre espaço para elas. Aliás, imagem e olhar estão sempre juntos. Não podemos compreender a imagem sem imaginar o olhar que a persegue. Evidentemente, se as imagens são realizadas de forma veloz, não teremos tempo de reconstituí-las através do olhar. No mundo globalizado, não há construção. Existe, ao contrário, destruição do olhar. Este é o objetivo político do atual sistema.

De que forma o espectador dialoga com os “sentidos” da estética cine­matográfica? Qual seu conceito de “interatividade”?
Desde 1895, quando surgiu o cinema, sabemos que ele não existe sem a participação do espectador. Nele, encontramos uma dupla projeção. Ao mesmo tempo em que a tela projeta imagens para o espectador, este projeta “imagens” para a tela. Essa via de mão dupla sempre existiu. Afinal, o cinema é a arte da interatividade. Evidentemente, a palavra “interação” não existia à época do nascimento do cinema, mas sempre houve esse diálogo. Além disso, os espectadores mudam ao ver os filmes. É lógico que, no dispositivo cinematográfico, o espectador não pode agir, pois está “imobilizado” durante a sessão. Após o filme, no entanto, podemos tomar café e discutir o conteúdo da película. O dispositivo da TV é muito mais fraco, por vários motivos. Não há sala escura, a tela é pequena e o espectador não se sente seguro em relação ao que a TV mostra. E a televisão precisa controlar, vigiar esse espectador. A essa estratégia da TV, muitos chamam de interação. Na verdade, trata-se de vigilância. Não há relação entre a atividade do espectador e o que é projetado pela TV.

Como o senhor analisa a estética cinematográfica em comparação a outras formas de arte?
Cada arte tem seu próprio limite. Aliás, as artes são definidas, justamente, pelos limites que contêm. A atividade do leitor, na literatura, é muito diferente daquela desempenhada pelo espectador de cinema. O leitor pode, por exemplo, reler o início de um capítulo, ir para frente, voltar. A leitura, pois, é sempre uma releitura. Isso não se passa, de jeito nenhum, com o cinema. O espectador é impotente diante do desenvolvimento das cenas. Eu não posso parar e pedir para voltar, para que possa consultar o que aconteceu. Mas o cinema é herdeiro do teatro, da literatura e de outras formas de arte. E o cinema é também uma arte narrativa. Sua narração, contudo, acontece de outra forma.
Respostas: Jean-Louis Comolli

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