segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

acho que a gente vive mesmo é de histórias...a gente vive fazendo histórias

Estas são duas coisas que estou lendo e vendo atualmente: o livro e programa "O poder do mito". É uma conversa entre um jornalista norte-americano chamado Bill Moyers e Joseph Campbell (um figura pesquisador de mitologia. um cara apaixonante!). No ano passado, o programa foi exibido na TV cultura (como é algo dos anos 80, pode ser que tenha sido exibido outras vezes). Eu assisti na época e fiquei com aquela borboleta no estômago de tão bacana que é. Ele é vendido em dvd, assim como sua transcrição em livro (que, lógico, tem na íntegra na rede). Comprei o dvd bem no iniciozinho do ano e estou alucinada. Separei um trechinho que gostei muito:

"Moyers: Quer dizer que contamos histórias para tentar um acordo com o mundo, para harmonizar nossas vidas com a realidade?

Campbell: Penso que sim. Romances – grande romances – podem ser excepcionalmente instrutivos. Nos meus vinte e nos meus trinta, até nos meus quarentas anos, James Joyce e Thomas Mann eram meus professores. Eu lia tudo o que eles escreveram. Ambos escreveram em termos do que se poderia chamar de tradição mitológica. Tome, por exemplo, a história de Tonio, no Tonio Kröger, de Thomas Mann. O pai de Tonio era um sólido homem de negócios, um cidadão de relevo em sua cidade natal. O pequeno Tonio, porém, tinha um temperamento artístico, por isso mudou-se para Munique e reuniu-se a um grupo de literatos, que se sentiam superiores aos meros ganhadores de dinheiro e aos homens de família.

Assim, ei aí Tonio dividido entre dois pólos: seu pai, que era um bom pai, responsável e tudo o mais, mas que nunca tinha feito o que queria, em toda sua vida; e, por outro lado, aquele que deixa sua cidade natal e assume uma atitude crítica em relação à vida que se levava lá. Mas Tonio descobriu que de fato amava a gente de sua cidadezinha. E embora se julgasse um pouco superior a eles, em termos intelectuais, e pudesse falar deles com palavras cortantes, seu coração, apesar de tudo, estava com eles.

Mas quando partiu, para viver com os boêmios, descobriu que estes tinham tal desdém pela vida que tampouco poderia viver com eles. Por isso deixou os e escreveu uma carta a um do grupo, dizendo: “Admiro aqueles seres frios e orgulhosos que se arriscam nos caminhos da beleza elevada e diabólica e menosprezam a “humanidade”; mas não os invejo. Pois se alguma coisa é capaz de fazer de um literato um poeta, essa coisa é o amor de minha cidade natal pelo humano, aquilo que existe e é comum. Todo calor deriva do amor, toda doçura e todo humor. De fato, quanto a mim, creio mesmo que esse amor deve ser aquele sobre o qual está escrito que se pode “falar com a língua dos homens e dos anjos”, que no entanto soa, quando o amor falta, “como metal ruidoso ou címbalo tilintante”.

Em seguida, ele diz que “o escritor deve ser verdadeiro para com a verdade”. E ele é um assassino, porque a única maneira de você descrever verdadeiramente um ser humano é através de suas imperfeições. O ser humano perfeito é desinteressante – o Buda que abandona o mundo, você sabe. As imperfeições da vida é que são apreciáveis. E, quando lança o dardo de sua palavra verdadeira, o escritor fere. Mas o faz com amor. (...)"

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