sábado, 22 de setembro de 2007

Internet
Sábado, 22 de setembro de 2007, 10h55
Rede permite viajar pelo mundo de sofá em sofá
Penelope Green
Horst Wackerbarth/The New York Times

A idéia do couchsurfing é viajar pelo mundo hospedando-se em sofás alheios para promover a amizade entre as pessoas




Viajar pelo mundo se hospedando nos sofás alheios é uma forma de aproveitar um conceito muito antigo de hospitalidade e adaptá-lo ao mais moderno dos paradigmas, o das redes sociais na Web. A residência de Neil Medel em Manhattan é certamente aconchegante, mas de maneira alguma poderia ser considerada espaçosa. Um aposento de apenas três por 2,10 metros, sobre St. Marks Place, no East Village, serve como sala de estar em miniatura, uma espécie de lugar em modo haiku.

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Medel, 33, trabalha para uma empresa importadora, e dorme em um mezanino montado sobre a sala abaixo, no qual também encontra espaço para guardar suas 40 calças jeans, que se empilham em montes desordenados, e uma coleção de caixotes de plástico azul nos quais armazena outros pertences. Mesmo assim, Medel, nascido nas Filipinas, está sempre interessado em servir de anfitrião, e cumpre esse papel com generosidade durante pelo menos três dias por semana, recebendo visitantes de gostos semelhantes vindos de Los Angeles, Texas, Suécia, Alemanha e de lugares ainda mais distantes.

O que é o Couch Surfing Project
Medel é um navegador de sofá, e o mesmo se aplica aos seus convidados; eles descobrem uns aos outros por meio do Couch Surfing Project (http://couchsurfing.com), uma comunidade internacional construída no modelo de sites de redes sociais como o MySpace e o Facebook, nos quais as conexões sociais se realizam por meio de redes de "amigos". De acordo com as estatísticas do Couch Surfing Project, mais de 300 mil pessoas, localizadas em 31 mil cidades de todos os tamanhos, ao redor do mundo, participam das diversas comunidades que ele abriga.

A filosofia do grupo lhe serve também como método, e pode ser resumida da seguinte forma: eu lhe ofereço hospedagem gratuita em meu sofá, acrescida da minha companhia e da companhia de meus amigos, bem como de uma visita aos meus lugares preferidos na cidade em que moro. Em troca, você se comportará como amigo, e não vai simplesmente voltar para minha casa às 3h depois de conhecer a cidade por conta própria. Dessa maneira, construiremos uma amizade entre nós, nem que seja por apenas um ou dois dias.

Na definição que o site mesmo propõe para sua missão, eles querem "participar na criação de um mundo melhor, um sofá de cada vez". Mas, como dizem severamente os membros do site, o objetivo do serviço não é promover encontros românticos, ou beneficiar os aproveitadores.

"Trata-se de um estilo de vida e de uma forma de dedicação", afirma Medel. Ele e os demais anfitriões da comunidade em Nova York se reúnem uma vez por semana em um bar em Union Square, levando com eles os novos visitantes que recebem. Organizam festas de aniversário uns para os outros e montam o que definem como "invasões" de outras cidades, como cerca de 30 moradores de Nova York fizeram em uma visita de três dias a Boston no terceiro trimestre do ano passado.

Romance
É inevitável que os relacionamentos nascidos com as visitas e as estadias tenham resultado em romances, casamentos e até em bebês, conta Sherry Huckabee, 41, que começou a participar da comunidade quando vivia em Charlotte, na Carolina do Norte mas agora se mudou para a Romênia, depois de se apaixonar por Hans Hedrich, 36, o homem que a recebeu em uma visita à cidade no ano passado, ao final de um périplo de dois anos pela Europa. Agora Huckabee e Hedrich, que dirige uma fundação sem fins lucrativos cuja missão é promover o turismo sustentável, chegam a receber até 20 jovens internautas viajantes de uma só vez. Hedrich, diz Huckabee, sempre tem um lugar em seu sofá, até mesmo para visitantes não anunciados.

Huckabee encontrou inspiração no romancista Jack Kerouac para escrever um livro sobre suas experiências como navegadora de sofás. Três anos atrás, ela trabalhava como advogada em Charlotte, depois de passar por um divórcio anos antes, e estava se sentindo solitária porque seus filhos saíram de casa. "Foi um momento de imensa reconsideração sobre quem eu sou, como me posiciono com relação à vida", disse. "Quem era eu excetuada a condição de esposa, mãe, etc.? O que eu queria era encontrar a sensação de que poderia levar minha casa comigo para onde quer que fosse, e desejava igualmente me livrar da sensação de que existia uma casa esperando por mim em outro lugar qualquer".

Huckabee doou a maior parte de seus pertences e partiu naquilo que deveria ser uma viagem de três meses pela Itália. E foi lá que ela descobriu o mundo da navegação em sofá.

O que a manteve inspirada a se deslocar de cidade em cidade foram detalhes do tipo que deliciam um escritor: seu anfitrião argelino em Paris, que dormia em uma cama posicionada de forma a permitir que ele contemplasse um pôster de Monica Bellucci no teto, porque isso o ajudava a imaginar que adormecia nos braços dela a cada noite; o apartamento de uma família búlgara, um sombrio edifício de concreto construído na era soviética, que, assim que a porta de entrada se abria, passava a parecer uma ilha tropical, com paredes pintadas de um verde brilhante e detalhes azuis; a mulher da Europa setentrional que não trabalhava - e aparentemente nem limpava o banheiro de seu apartamento - há três anos, mas que ainda assim foi pedir uma garrafa de vinho a um vizinho para receber a visita de Huckabee de maneira condigna.

Em sua Charlotte natal, conta Huckabee, "se você não tem um quarto de hóspedes, não tem companhia". Ela acrescenta que "mesmo os familiares preferem ficam em hotéis. Até mesmo quando as pessoas vêm para um jantar, é preciso passar por um processo - aspirar o pó da casa toda, trocar os lençóis e toalhas. Na Europa, eles oferecem o sofá, e é só. Ninguém sai fazendo faxina. Isso permite uma visão mais detalhada dos mundos alheios, em lugar de um panorama idealizado, onde todo mundo é limpinho, toda casa é arrumadinha".

No entanto, ela confessa que sua navegação a levou a alguns sofás seriamente encardidos.


The New York Times

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