sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Algumas anotações breves sobre um cenário em movimento: a recente produção brasileira de media art .

Por Eduardo de Jesus

0,5
Parece arriscado tentar traçar um panorama da atual cena brasileira de media art tendo em vista a diversidade de propostas, apropriações, circuitos e conexões nos quais estão inseridos artistas e obras. Essas muitas direções da produção brasileira nos impedem de criar um recorte que consiga dar conta de toda a diversidade de processos poéticos e técnicos usados atualmente pelos artistas, sob o risco de um mapeamento míope e apressado. A complexidade da produção artística contemporânea brasileira nos arremessa a um arriscado exercício de esboçar cartografias instáveis. Por isso, neste texto, nenhum traço é definitivo. São anotações de uma situação mutante, ampla e híbrida, que se por um lado se mostra tão difícil de recortar e criar tipologias por outro se abre em uma sedutora multiplicidade de criações que fatalmente nos atraem para a reflexão e o pensamento.

1.
“A ciência excitada fará o sinal da cruz e acenderemos fogueiras para apreciar a lampada elétrica.”
Tom Zé

“Mídia é vento.”
Waly Salomão

1,5
Abraham Palatinik, Waldemar Cordeiro, Júlio Plaza, Rafael França, Arthur Matuck, Gilberto Prado, Mário Ramiro, Wagner Garcia - pioneiros da media art brasileira que nos marcam até hoje na ruptura ou na continuidade.

2.
Na produção atual é possível verificar uma vertente que, de alguma forma, estabelece posições de enfrentamento diante da realidade sócio-política do Brasil. Neste contexto as obras de media art servem como uma possibilidade de estabelecer estratégias de percepção da complexa vida social brasileira e com isso provocam a construção de outras visibilidades, abrem novas possibilidades de (re)construção do imaginário tecnocultural brasileiro. Esse enfrentamento da realidade, na verdade, se constitui com um intenso diálogo entre o entorno sociopolítico e a produção artística. Ou seja, ao contrário de uma produção artística isoloda do contexto, os artistas estabelecem a realidade social como ponto de interseção de suas produções. Obras que revelam, questionam, intervem e dialogam com a multiplicidade da vida social brasileira.

3.
As instalações interativas, vídeos, videoinstalações, assim como as ações, performances e intervenções públicas produzidas dentro desse aspecto de enfrentamento da realidade ampliam o sentido do uso da tecnologia tanto na produção artística quanto na vida cotidiana. Os trabalhos se relacionam com a tecnologia não somente em seus aspectos mais comerciais. Algumas vezes são desenvolvidas ações e apropriações quase subversivas completamente entranhadas organicamente a um complexo sistema sócio-cultural. Esse processo acaba por recriar através da arte novos usos e possibilidades poéticas para a tecnologia.

4.
Entre os teóricos e curadores o assunto foi abordado por Christine Mello no texto “Zona de risco: poéticas de intervenção digital em São Paulo” apresentado no contexto do simpósio e exposição Emoção Artificial (São Paulo, 2004). Tomando uma série de produções artísticas realizadas na cidade de São Paulo, Christine sinaliza de forma precisa as muitas dimensões de um espaço de produção que se constrói no enfrentamento da realidade.

5.
A cultura brasileira contemporânea oscila entre um emaranhado de identidades em trânsito, que apropriam-se de elementos da cultura globalizada e buscam no impacto e na transformação com as realidades locais o âmbito de suas atuações e intervenções. Sabendo que estamos em espaços de extrema desigualdade esses movimentos de apropriação e busca acabam por estabelecer novos contatos entre tecnologia e vida social.

6.
A produção de alguns coletivos de artistas atuam nessa vertente do enfrentamento. Apropriam-se do espaço das cidades, das redes de comunicação, misturam real e virtual e mais que isso geram uma importante relação entre os muitos fluxos de informação que convivem juntos na mesma cidade. O evento Zona de Ação (Conferir a edição 116 da revista Parachute com texto de Suely Rolnik sobre a arte nos espaços públicos de São Paulo) (São Paulo, em 2004), reunia diversos coletivos de artistas brasileiros.. O projeto se estendia em cinco zonas da cidade e os processos de intervenção geraram uma espécie de exposição underconstruction na Galeria do Sesc Paulista (São Paulo). A maioria dos grupos atuou em intensos diálogos com a realidade que geraram outras ações.

6.5
Entre os grupos, a intervenção “Estão vendendo nosso espaço aéreo” realizada pelo coletivo Bijari nos chama atenção. Atuando num tenue limite entre ativismo político e arte o Bijari trata de denunciar a especulação imobiliária no Largo do Batata, região de São Paulo. O coletivo chama atenção para processos de revitalização que são bastante excludentes e acabam tirar a população local e massacrar a memória em favor de uma paisagem direcionada para o capital. Registros audiovisuais e ações de conscientização foram feitas com as pessoas no Largo do Batata. Todo o material alimentava a exposição e realimentava as ações no espaço público.

7.0
Outro coletivo que também atuou no evento foi o Cobaia, formado com membros dos coletivos Formigueiro, FAQ e Bananeira e que durou somente o evento. As intervenções desenvolvidas na Zona Norte, sobretudo no terminal rodoviário Tietê, previam gravações em vídeo e a distribuição de formulários de entrevistas em uma stand montado no local. Os questionários distribuidos continham perguntas de caráter pessoal e subjetivo. Um dispositivo de encontro na grande metrópole. Os formulários geraram gráficos que junto com as imagens foram utilizadas em apresentações de live images.

7.5
Se essas ações não envolvem grandes aparatos tecnológicos por outro lado sabem retirar, recortar e criar estratégias de enfrentamento e estranhamento do real midiatizado através de apropriações de toda a natureza em novas redes sociotécnicas entrelaçadas no espaço urbano das grandes cidades.

8.0
Entre as exposições que ocorreram no último ano destaque para duas. “Emoção Artificial” promovido pelo Itaú Cultural e as duas exposições no contexto do Sonarsound em São Paulo, “Sonorama” e “Life goes mobile”.

8.5
Em ambas os curadores enfatizaram as questões políticas. Na primeira, os curadores Arlindo Machado e Gilbertto Prado estabeleceram o tema “Divergência Tecnológica” (http://www.itaucultural.org.br) para o simpósio que abria a exposição e que guiou as colocações de teóricos, artistas e curadores.

9.0
Lucas Bambozzi, artista multimídia e curador das exposições do Sonarsound levou ao Centro Cultural Tomie Otakie uma importante seleção de trabalhos de media art. Alguns como “Coluna Infinita II – Opostos” de Daniel Lima e “Engordando seu boi” de Spetto estabeleciam um estreito diálogo com a realidade e as desigualdades sociais. Bambozzi conseguiu montar um conjuto de trabalhos com uma pulsante verve crítica e pouco deslumbrada com uma função comercial e tecnológica.

9.5
O trabalho de Lima propõe uma intervenção no espaço urbano que liga dois pontos da cidade através da emissão de raio laser. De um lado o último andar do local da exposição, o centro cultural Tomie Otakie, situado em área nobre da cidade e do outro a favela de Heliopólis, localizada na zona sul. Os feixes de luz se encontravam no meio e com isso enfatizavam não só as distâncias físicas mas as sociais. Um espécie de virtualidade, única possibilidade de aproximação entre esses dois extremos.

9.6
Com “Engordando seu boi” (www.visualradio.com.br/galerianokia/boi.htm) Spetto utiliza uma camera que envia fotos quando é acionada pelo telefone celular. O visitante pode acionar a camera e receber imagens de um boi. Por traz do humor e da irônia ficam explícitos os sistemas de monitoração, o deslumbramento tecnológico e o papel comercial das grandes empresas de desenvolvimento tecnológico no controle da vida social.

10.0
Giselle Beiguelman, artista participante nas exposições “Emoção Artificial” e “Life Goes Mobile”, leva essa vertente política e social em sua obra para outras direções. Obras que relacionam os sistemas de comunicação no espaço urbano, as formas de leitura e as passagens entre as diversas tecnologias. Como “Leste o leste” (2002) e “Poétrica” (2003-2004). Nestes trabalhos a artista utiliza esquemas de interação via celular, internet e exibição em painéis eletrônicos, em espaços publicitários. Beiguelman desenvolve também um importante trabalho teórico, com destaque para “O livro depois do livro” (Disponível em http://www.desvirtual.com) que discute as apropriações e alterações nos modos de leitura.

10.5
Seu mais recente trabalho “Code up” exibido no Sonarsound é uma interessante investigação da especificidade da imagem digital, tomando por referência o filme “Blow up” (1966) de Antonioni. Na obra é possível fotografar e enviar a imagem ao computador pelo telefone celular que nos permite ver a profundidade da imagem digital e uma série de outras alterações no código da imagem. Esse trabalho nos mostra as novas visualidades inauguradas pela imagem digital que abandonam a mera representação para explicitar o complexo jogo cultural que envolve a imagens atualmente.

11
A 14ª edição do Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (http://www.videobrasil.org.br) também buscou enfatizar esse caráter mais político e social da produção artística comtemporânea. Diversos vídeos selecionados para a mostra competitiva traziam importantes colaborações sobre essas questões. Trabalhos como “Ação e dispersão” de Cesar Migliorin; “A revolução não será televisionada – episódio 1” de André Montenegro, Daniel Lima, Daniela Labra e Fernando Coster; “Eu sou filho de Hélio Oiticica” de Carlos Sansolo entre outros nos mostram muitas relações entre os embates cotidianos da vida social utilizando para isso os recursos conceituais e formais do vídeo.

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