quinta-feira, 16 de agosto de 2007

CIRCUITOS LIVRES | A dissecação randômica da obra de Vinicius Cabral

biAh weRTHer






Aqui estou, de volta pra falar de circuitos alternativos e realizadores livres. Primeiramente, a pedidos, preciso comentar rapidinho a respeito de como se assiste um curta. Sim, esta é uma pergunta recorrente e juro que é complicada.

Não preciso dizer que não há fórmula nem cerimônia. O segredo é se aprofundar no curta-metragem, dispensando aquele ‘olhar foyer’, tipo ‘mamãe sô cult’. Também não é bom se limitar a freqüentar apenas festivais competitivos. Gosto de pegar o megafone, bater palmas e chamar as pessoas para as mostras do circuito alternativo. Porque festival é bom sim, principalmente dentro da sala, no escuro, só que as seleções são subjetivas e muita coisa boa fica de fora por inúmeras contingências.

Mas bem, assistindo curtas em festivais ou em sessões cineclubistas, o bom é usar estes momentos pra ter um primeiro contato com os autores. Depois você vai adquirindo as obras dos cineastas com os quais se identifica mais, pagando por elas e começando sua coleção invejável. A meu ver, é exato como fazemos comprando as obras de bandas independentes, ilustradores, escritores e outros. Curta-metragem também é assim, tem esse toque artesanal e carismático, de querer levar para casa e interagir. Uma curiosidade é que uma obra sempre dialoga com outras de um mesmo autor, então não se deve pré-julgar e é bom adquirir antologias. Eu ao menos prefiro comparar antologias quando chamo amigos pra tomar vinho e assistir filmes.

Bom, e falando em levar curta pra casa, meu assunto hoje vai pra Minas Gerais, onde estão vários revolucionários que terei o prazer de comentar ao longo do tempo. Hoje falo da obra de um curta-metragista de 25 anos, Vinicius Cabral.

E quem é Vinicius Cabral?

Em nossos papos de MSN, trocando figurinhas, um assunto se repete. O Vinicius sofre a cada redondo não de um festival em relação à sua obra. Sabe-se lá porque, ele está entre as centenas de malditos. De fato ando acreditando que isto é um bom sinal, só que mesmo assim, exclusão sempre machuca.

Mas, mesmo estando de fora da minoria privilegiada - talvez pela sua veia critica e pouco recheada de sacadas pops - sua obra já está viva, existe, procede e vale um artigo. E nem é porque ele costuma falar de guerrilha digital e terrorismo audiovisual, mas sim porque este cineasta na verdade dialoga em poesia. De minha parte acho instigante observar de fora o incômodo inerente, a honestidade despreocupada do trabalho. O que ele faz com, dentro, por conta de seus filmes eu chamo de dialética. São vários diálogos que nem sempre se vê à primeira vista (mas daí tu faz aquilo de comprar os curtas e levar pra casa). E há, na obra do Cabral, uma outra conversa mais clara, que é do seu desconforto com esse nosso mundo patético. Uma crítica a respeito do modo como conduzimos o planeta.

No mais são muitos papos, conversas internas e externas, ele com ele, esta característica de um trabalho contrapor a estética do outro, formando um mosaico. E o falar, falar, citar, perguntar, querer saber. As vozes do Vinicius são muito boas e naturalistas, vêm pra junto da gente e deixam pensar. Instinto. Subversão de uma certa tendência atual em que o pensamento vem depois da ferramenta.

Como se sabe, não tenho nenhuma preocupação com a ordem dos fatos, então estou a falar da obra deste artista de modo desconstruído. Não penso em cronologia porque ela nem há.

Já exibo faz tempo os trabalhos do Vinicius e sempre achei que ele tem suas diversas estéticas sob controle, uma para cada trabalho, um mais primoroso, outro mais tosco, porque quer e pronto. Erros delicados. Lentidão, silêncio e poluição sonora. Discursos. Questão.

Mas claro que pra escrever resolvi assisti-los com outros olhos, sem pensar num programa ou num determinado motivo ou público. Foi preciso olhar o artista isoladamente, então preparei uma sessão especial só pra mim, de vai e vem, nesta madrugada de sábado.

O primeiro filme da noite foi o ‘Materialismo Dialético’ que, infelizmente, talvez por ser o melhor, não está no youtube.

‘Materialismo Dialético’, 2005, tem direção de elenco importante, um outro Vinicius que não está no youtube. A câmera na mão atua, conversa muito. Embora seja um dos primeiros, parece o mais adulto nos fundamentos, mas claro que o Vinícius brincou livremente com eles. Quadros muito belos da personagem obsessiva.

O ‘Abatedouro’, 2007, eu assisti na segunda taça de vinho. É bem diferente, sem subtexto, já começa jogando na cara. Conversei com uma das personagens reais, muito jovem, certas vezes ingênuo. Discordei num momento, concordei no outro. Tivemos uma discussão. O filme nem é tão desconstruído, a analogia das vacas funciona, perpassa a noite do filme. Conversa no bar, escatologia, debate. Abatedouro está no youtube e juntamente com mais 175 curtas está também na seleção do Cineclube Virtual.


‘Paisagem Viva’ eu lembro que exibi numa palestra e as pessoas se coçavam, se mexiam, mas não tiveram coragem de levantar da cadeira. Na sala escura, em tela grande, ele é sensacional e irritante. Na Internet acho que fica menos impactante, mas são divagações minhas apenas. Importa o que você saberá dizer quando assistir.

O curta ‘Paisagem da Irrealidade Cotidiana’ traduz a obra espectadora, observadora mas interativa do Vinícius Cabral. ‘Paisagem ...’ é apenas um retrato da banalidade, como ele mesmo diz, ‘um recorte urbano’. Poderia ficar só nisso, mas o Vinícius precisa das vozes universais, então ele procura contextualizar, fala do nosso tempo inserindo um áudio do agora jornalístico. Este agora com cara de programa de tv, no qual perdemos a expressão facial e somos meros recortes irreais de jornal. Algo que o Vinícius traduz ainda no curta ‘Vídeo Terrorismo’, também disponível no youtube.

Finalmente assisti mais uma vez o ‘Tratados Acerca da Origem de Nossas Idéias Sobre o Corpo e a Civilização’. Este filme fala da superficialidade e da culpa. Dele gosto especialmente quando assisto com o público das minhas sessões. Tem metalinguagem, o que sempre cativa. Exibimos recentemente em uma mostra no Rio. Roubou aplausos. Queria ouvir a tua opinião...

Bem, por hoje é só. Conheçam e comentem a obra do Vinicius, lembro que os melhores curtas dele, a meu ver, não estão no youtube. O contato dele é santo_guerreiro@hotmail.com.

E este é o link do programa das sessões do livre olhar deste mês. Apareçam que esse mundo aqui é doce: http://cinema.com.br/flo2007/?page_id=41

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2 comentários:

Igor disse...

A dissecação randômica?
Que título mais pesado para contemporaneidade em! rs!

Anônimo disse...

a contemporaneidade é randômica. a dissecação pode ser mórbida (quase sempre), ou muito positiva. De qqer forma, o conceito é contemporâneo, talvez não a forma de expressá-lo (e não é esse, sempre o problema?!). A biah está atrás de poesia, de algo de belo...e há, de fato, algo de belo na sujeira. é por aí...
abs!