sexta-feira, 15 de junho de 2007

Live-Video: Influências e novas perspectivas do audiovisual em tempo-real[1]

Maria Luiza Teodoro[2]

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo

Este artigo aborda e explora as influências e características do Vjing, um termo usado para descrever as performances audiovisuais em tempo real. O artigo discute a possível linguagem da atuação ao vivo e propõe uma reflexão sobre o uso da novas mídias neste contexto. As várias influencias que deram origem ao vídeo ao vivo serão discutidas de modo a criar um panorama da situação atual do mesmo, como seu fundamento na videoarte, nos primórdios do cinema, nas performances e happening, no dadaísmo e vanguardas do início de século, nas festas eletrônicas, na utilização do sampling e das múltiplas telas, além de sua relação com a arte contemporânea.

Palavras-chave

Tempo real; live cinema; VJ[3]; cinema expandido; artemídia


A prática do audiovisual em tempo-real possui uma história notável, porém, pertence ainda ao universo underground, mesmo que museus e galerias tenham começado e incluí-las em seus programas. Como o vídeo em tempo-real é, muitas vezes, considerado entretenimento — associado às casas noturnas — ao invés de forma artística, torna-se difícil encontrar críticas relevantes sobre estas performances em publicações de artes. Uma das outras possíveis razões para esta falta de documentação é o fato de que, para descrever os constituintes do live cinema, é necessário levar em conta seu caráter efêmero e multi-sensorial, o que implica em articular conhecimentos de diferentes áreas (música, artes visuais, performance, etc). A falta de debate crítico mais amplo sobre o tema abordado não ajuda no desenvolvimento e reconhecimento de sua prática, ainda que no âmbito das comunidades que se dedicam à prática do VJ a discussão sobre o tema seja constante, especialmente em listas especializadas na Internet, conforme será retomado adiante.

O Vjing propriamente dito é um fenômeno muito recente [menos de trinta anos], resultado de evoluções importantes no campo social, artístico, cultural e tecnológico. Portanto, pensá-lo inclui olhar para várias referências. Mas, o fenômeno não seria compreendido se observado somente a partir de sua história recente e da cena moderna. Para uma melhor compreensão acerca do assunto precisamos fazer uma busca sobre suas raízes e influencias. Elas remontam ao surgimento do cinema, passando pela televisão e pelo vídeo, e ainda complementada pelas artes performáticas, digitais e cultura clubber.

O termo VJ surgiu provavelmente no final da década de 1970 e sua origem verdadeira é incerta. Algumas fontes evidenciam sua inauguração no clube Peppermint Lounge, em Nova York; outras mencionam o UFO CLUB, em Londres. Há, ainda, os que afirmam que foi um termo criado no início dos anos 1980 para descrever os apresentadores de video-clips da MTV norte-americana. A palavra Jockey, referente aos montadores de cavalos, descreve muito bem o VJ – Visual Jockey – pois um jockey monta vários tipos de cavalos, sabe improvisar e precisa ter bom conhecimento e domínio do cavalo. Pela falta de precisão da data de seu surgimento, acredita-se em aparecimentos simultâneos e em diversos ambientes, tratando-se então de um processo análogo ao surgimento do vídeo no fim da década de 1960.

Mas fazer a arqueologia do VJ não é um processo simples. Uma lição importante, do ponto-de-vista metodológico, é o recurso a tentativas de sistematizar o desenvolvimento de outros formatos de audiovisual, entre os quais o vídeo é provavelmente o mais próximo, por ser igualmente diverso. Arlindo Machado reafirma em seu texto As Linhas de Força do Vídeo Brasileiro, ao fazer um rastro sobre o surgimento do vídeo no Brasil, que estas primeiras experiências são obscuras e contraditórias. O primeiro vídeo brasileiro mostrado publicamente foi possivelmente de Antonio Dias em território italiano, porém, anterior a isto e em outro contexto, houve a experiência isolada da dançarina Analivia Cordeiro que concebeu uma coreografia para vídeo em um festival de dança. À parte desses dois fatos isolados, a evidência maior é que o vídeo tenha surgido em 1974 quando uma primeira geração de artistas é convidada para uma mostra na Filadélfia.

A mesma indefinição acontece no âmbito do VJing. Seu aparecimento no Brasil também não tem uma data e lugar específico. Houve recentemente, em 2002, um maior destaque da prática, comum em vários festivais que ocorreram em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Um exemplo desses festivais é o Red Bull Live Images, que foi a primeira mostra brasileira de VJs realizada em São Paulo e envolveu artistas e coletivos como Luiz Duva, Feitoamãos, Bijari e VJ Spetto. Outros exemplos são o Nokia Megatrends, o Motomix e o Skol Beats, o que mostra a diversidade de formatos possíveis, sem esquecer que há também um circuito de VJs em clubes e galerias, que abrigam apresentações ao vivo freqüentes.

O surgimento de eventos envolvendo o universo VJ incentivou discussões em sites[4], revistas, fóruns[5] e lista de discussões relacionadas, ajudando a pensá-lo como forma de expressão performática, embora essa discussão ainda seja mínima. Por outro lado, por se tratar de uma prática ainda restrita ao underground, há uma maior inventividade, ousadia e descobertas quanto às questões de linguagem e características. O artista Lucas Bambozzi[6] afirma em seu texto Outros Cinemas[7] que “as poucas frestas que sobram para a experimentação devem ser consideradas antes que sejam institucionalizadas sob a égide da produção cultural estandardizada”. (BAMBOZZI: 2003)

O Vjing tem muita influência das artes visuais, instalações interativas audiovisuais, videoarte e performances. E está próximo da performance, que por sua vez, é uma arte de fronteira e híbrida por natureza. Por ser uma apresentação performática, analisá-la e classificá-la torna-se difícil, uma vez que é preciso fazer uma vasta análise em todos os campos que influenciaram sua prática, e o recurso à documentação nem sempre é suficiente para o entendimento do trabalho. Uma performance compreende uma apresentação que pode ser tanto ensaiada quanto feita de improviso, e que pode ocorrer com a participação do público ou não. De forma geral, a performance é uma modalidade das artes visuais muitas vezes relacionada ao teatro ou ao happenings pela sua efemeridade. Característica esta muito presente não só nas apresentações dos VJs, mas também em toda obra concebida em tempo-real. Entre seus praticantes estão artistas advindos da música, das artes plásticas e das artes cênicas, o que resulta em trabalhos diferenciados em estética e conceito.

Assim como várias práticas artísticas são englobadas na performace, o VJing absorve referências de várias outras áreas da cultura contemporânea. Além da performance, as influências das linguagens imagéticas como o cinema, a fotografia e o vídeo são nítidas. A influência dessas linguagens acontece quando um VJ explora outros canais em busca de imagens e referências, com objetivo de criar uma coleção de vídeos para que essas imagens sejam utilizadas em suas apresentações. Além de buscar imagens, o Video-jockey também as produz, caso precise de algo específico. Ou seja, o VJ pode tanto produzir e/ou sintetizar como “samplear” imagens. Tanto o DJ[8] quanto o VJ interagem com seu público. O DJ, por exemplo, não vai para uma apresentação com um set fixo, ele leva possibilidades e flexibiliza seu som de acordo com o comportamento do público.

Pode-se dizer que o VJing surgiu a partir de uma falta de atuação performática no palco (uma vez que a performance do DJ não é muito rica a partir ponto de vista visual), que gerou a necessidade de alguém que projetasse vídeos no ambiente. Por conseguinte, houve uma demanda por uma nova experiência visual que substituísse a performance e completasse o ambiente. Neste contexto, o VJ surgiu de uma necessidade e não a partir de um desenvolvimento consciente da arte. Devido à sua efemeridade, a documentação registrada do evento transitório é importante, porém, como nem sempre acontece, o episódio pode cair no esquecimento ou ser registrado apenas pela descrição.

Para ilustrar a relação entre a performance e o vídeo em tempo-real pode-se citar alguns antecessores nas artes visuais ou na contra-cultura como as apresentações do grupo Fluxus e Andy Warhol, que se destacaram pela criação de performances marcantes. Warhol é um ícone da arte moderna, cuja uma das características é misturar alta e baixa cultura usando táticas multimidiáticas. Em 1966, em seu show Exploding Plastic Inevitable, Warhol e Jud Yalkut misturaram música, teatro, filme e performance em um grande espetáculo; o show contava com a participação da banda Velvet Underground. Warhol projetava simultaneamente dois ou mais de seus filmes sobre pessoas do público ou em telas improvisadas, como teto e paredes. Este projeto pode ser classificado como uma evocação contemporânea da idéia de Gesantkunstwerk[9], de Richard Wagner.

Alguns outros grupos musicais, especialmente ingleses, usavam projeções para atribuir um peso ideológico a seus shows, entre eles Cabaret Valtaire e Throbbing Gristle. As imagens utilizadas por eles tinham função de chocar o público, uma vez que representações pornográficas e de campos de concentração nazista eram usadas em larga escala. Esses elementos criavam um efeito de estranhamento sinestésico ao alternar imagem e música. Com suas propostas de atingir a moral do público, eles claramente se relacionavam com o movimento dadaísta do início do século XX.

O movimento dadaísta é tido por pioneiro das performances. Sua atuação também teve grande importância na formação conceitual do grupo Fluxus e do Viennese Actionistes. O grupo Fluxus, que envolvia artistas como John Cage, Yoko Ono, Wolf Vostell e Joseph Beuys, é conhecido pela consciente mistura de artes, possuíam uma política não elitista e de aversão à alta-cultura e perfil crítico em relação à comunicação de massa. Os primeiros experimentos com vídeo e o inventor do PaikAbe vídeo synthesizer[10] [sintetizador de vídeo] foi Nan June Paik, conhecido também como o pai da vídeo arte, o que fortifica a relação entre os vídeos do Fluxus e o VJing.

É marcante o fato de que os precursores das artes multimídias junto às artes visuais foram também os pioneiros da videoarte, esta, provavelmente, a maior influência do VJing. A videoarte surgiu com a chegada do portátil Sony PortaPack no final dos anos 60, quando artistas visuais começaram a pensar no novo tipo de mídia que estava sendo criada. Ao experimentarem o equipamento, eles constantemente procuravam os princípios elementares da formação do vídeo, gerando imagens abstratas e de forte relação com a música, questão esta última muito interessante aos VJs e que será discutida até o final do texto. A nova experiência de videoarte e performances envolvia a modificação dos parâmetros convencionais de tempo e espaço por meio de técnicas para ampliar, desacelerar, retardar e abreviar o tempo. O conteúdo desses filmes de vanguarda se distanciava do filme industrial, pois mostravam imagens da esfera pessoal ao público sem censura.

Tanto o desenvolvimento tecnológico no campo do vídeo como os primeiros experimentos pré-cinematográficos de antes do século XIX certamente fazem parte das raízes do VJing, juntamente com os primeiros filmes mudos e, mais tarde, o surgimento da vídeo-música com a chegada da MTV em 1981. A emissora rompeu com a linguagem cinematográfica tradicional à medida que adquiriu uma forma narrativa mais fragmentada, apontando outros caminhos de utilização da imagem e introduzindo aos telespectadores outro tipo de narrativa e linguagem, que, em prática dialoga com a música visual de artistas como Fischinger e Ruttman.

As Lanternas Mágicas, descrito pela primeira vez em 1671, pode ser visto como um antecessor do projetor de slides. Usando uma lâmpada a óleo, uma lente, e pinturas feitas em pratos transparentes, pequenas animações podiam ser projetadas numa tela ou superfície lisa. Diferentes partes da imagem poderiam ser pintadas em pratos diferentes, os quais eram movidos separadamente, criando certa ilusão de movimento.

Ainda no contexto do surgimento cinematográfico, o termo “filme mudo” causa certa confusão uma vez que estes filmes eram raramente mudos de fato. Normalmente eles eram acompanhados nas salas de cinema por um piano ou órgão. E uma característica interessante disso é que a música era, na maioria das vezes, improvisada, o que estabelece um link com o VJing na contemporaneidade. A característica de improvisação foi perdendo força quando teatros maiores começaram a usar orquestras inteiras para preencher o filme com sons.

Características do cinema de vanguarda soviético, sobretudo sua forma de montagem, são percebidos no VJing. Sergei Eisenstein e Dziga Vertov, em especial o filme "Um Homem com uma Câmera", criam um cinema de estrutura aberta, com imagens que podem ser misturadas de várias formas. Esse tipo de linguagem questiona a forma como percebemos o mundo e se este é constituído de uma forma narrativa linear ou o entendimento se dá de forma fragmentada. Talvez a forma original de contar histórias esteja sendo recorrida nas novas mídias, que cria um avanço baseado nas estruturas do passado.

Uma outra influência do vídeo manipulado ao vivo é o uso de telas múltiplas dispersas no ambiente e sua relação com as festas eletrônicas. Essas festas eletrônicas compreendem um líder e seus seguidores, entretanto, nesses ambientes o poder do líder é substituído pelo uso de muitas telas localizadas de modo disperso no espaço com propósito de enfatizar o espetáculo total, e não apenas a performance de um DJ ou VJ. O uso de múltiplas telas durante espetáculos, de acordo com Peter Weibel, possui o intuito de libertar-se do quadro fixo de exibição e convencional da pintura e com isto, o espaço seria utilizado como uma experiência de imersão. Quando a imagem saiu da tela única de exibição, ela invadiu outros espaços como os corpos dos performers e o público, que passou a fazer parte do espetáculo. O exemplo da apresentação de Warhol fornecido acima é um exemplo dessa outra característica marcante das projeções de vídeo em tempo-real: a presença de múltiplas telas.

O uso das múltiplas telas em espetáculos surgiu na década de 1960 com Malcolm LeGrice e Peter Gidal em uma situação de vanguarda do cinema experimental, como chamado por eles. Em várias apresentações eles realizavam performances com projetores de filmes para múltiplas telas, e às vezes, telas em movimento. O uso das múltiplas telas era um símbolo das forças expansivas das mídias e sua força para quebrar e subverter seu próprio formato. Em 1965 Stan VanDerBeek publicou um manifesto fundamentando os ambientes de projeções múltiplas em tempo-real, defendendo a questão de que a própria projeção de imagens tornou-se o tema central da performance.

A projeção de VJing explora os efeitos da audiência e seria, conforme o conceito de realidade aumentada de Jeffrey Shaw, um espaço de imersão narrativo e dispersão sensória que estabelece uma relação em que a obra não é mera representação e o público passa a desempenhar um papel importante no processo, explorando as possibilidade das tecnologias interativas. No cinema, o público chega mais ou menos ao mesmo horário e ficam todos sentados a olhar para uma única direção; o filme começa e todos têm a mesma experiência. Em um clube as pessoas chegam em horários variados, e têm a opção de beber, dançar, ou assistir a performance do DJ. Cada indivíduo tem sua experiência própria de acordo com sua vontade; e o vídeo compõe este ambiente. Ao mesmo tempo em que as novas formas de narrativa quebraram o vínculo com o espectador [que não consegue mais distinguir a estrutura narrativa, uma vez que o fio narrativo foi rompido] a interatividade surgida na era digital cria uma nova possibilidade de envolvimento do público no processo criativo. O espectador desempenha uma posição diferenciada diante da representação, podendo assim, estabelecer uma relação crítica com a obra. O grande desafio do cinema digitalmente expandido é fazer com que o público se torne agente protagonista dos desenvolvimentos narrativos.

Na era do cinematógrafo, a narrativa era construída usando apenas elementos visuais, como atuação exagerada de atores ou títulos gráficos. Uma variedade de ângulos de câmera também poderia ser usada, como plano fechado para enfatizar ainda mais as expressões. A grande diferença entre o cinema e o teatro era a “proximidade” que criava entre ator e telespectador. Entretanto, contar histórias com ausência de som resultou em uma diversidade de tipos narrativos durante a montagem de um filme. Exemplos importantes são vistos em filmes de Sergei Eisenstein, Fritz Lang e Luis Buñuel. A característica de enorme poder de expressão visual desses diretores inspiraram VJs na construção de suas narrativas sinestésicas.

Ao incorporar vários estilos narrativos o VJing propõe uma nova forma alternativa de narração não só rompida espacialmente por meio da projeção em telas múltiplas, mas também cronologicamente. Esses experimentos com o tempo enfatizam o tempo tecnológico. A distorção do espaço e tempo transforma por completo a característica da narrativa nas novas mídias, que estão se revelando formas mais experimental de contar histórias. Essas novas formas, aliadas à interatividade, podem ser notadas também na hipermídia, instalação, videoarte, internet, games, TV interativa e desafiam o futuro do cinema. O VJing pertence a uma era de caos e desconstrução narrativa, descrito por Martin Rieser e Andrea Zapp no livro New Screen Media: Cinema/Art/Narrative, em que as novas tecnologias de comunicação estão traçando um caminho de volta aos primeiros experimentos de videomakers, como aqueles realizados no período do pós-guerra na Europa já citados neste artigo.

O manipulador de imagens em tempo real teve sua influência da cultura rave[11] e do aparecimento da música eletrônica no final da década de 1970 e estourou em 1980 com a house music. Este foi um fenômeno esporádico, quando muitos artistas começaram a fazer VJing ao mesmo tempo ao redor do mundo no contexto da música house.

Nas raves do começo dos anos 90, o DJ não era o foco principal – o público olhava em volta, para o lugar e para as pessoas presentes[12]. Depois, a indústria da música começou a apresentar o DJ no palco, como uma banda, mesmo que isto não fosse uma atração interessante para o público. Precisava-se então preencher esta falta visual, e foi quando o VJ surgiu. Em suma, a indústria musical criou esse papel artificial para que o DJ continuasse sendo a personalidade central.

Uma característica marcante das festas house que se relaciona ao universo VJ é seu aspecto multi-sensorial. A experiência dessas festas era composta de vários ingredientes: o DJ tocava o som, o VJ fazia os loops de vídeo e uma outra pessoa acionava a luz strobo, normalmente sem uma forma de organização prévia, ou ensaio. A desconstrução do todo já é notada por esta característica, como também percebida na mixagem de diferentes tipos de imagem, aparentemente sem conexões e expressando descontinuidade, construída pelo Vídeo-Jockey.

Uma outra grande influência do início do VJing dentro do contexto da música eletrônica que muitas vezes é deixado de lado, é que a cena do house era caracterizada pelo uso exagerado de drogas. O MDMA, princípio ativo do Ecstasy, como do LSD, causa efeito de sinestesia, ou seja, mistura e confusão de sentidos. O Vjing nas festas house reproduziam esta experiência. O Ecstasy criava uma simbiose de sensações, mas não evocava alucinações visuais concretas como o LSD. Alguns dizem que se a droga da cena house tivesse sido o LSD, não haveria necessidade de compensar a falta de performance, ou seja, não haveria o VJ.

A música desempenha um papel importante durante todo o desenvolvimento da prática do Vjing. Para os VJs, as vídeo-músicas interessam na questão do uso de efeitos visuais, mas especialmente por realçar a música. O vídeo musical originou-se por uma questão pragmática e dialogou com os seus efeitos de forma inconsciente. Os grupos musicais, ao criarem seus vídeos, poderiam sair em turnê e ao mesmo tempo aparecerem em programas de televisão. Neste sentido, o vídeo-clip foi visto principalmente como um meio de promover um artista, e não como uma obra de arte.

A expressão visual de músicas não pertence exclusivamente à era da mídia eletrônica. Particularmente interessantes aos VJs são os filmmakers que trabalham com imagens abstratas, como Oskar Fischinger e Walther Ruttman, no início do século XX. Estes criaram filmes abstratos que poderiam ser rotulados como música visual.

Nos anos 1950, o aparecimento e desenvolvimento de músicas criadas eletronicamente foram muito importantes para o surgimento, mais tarde, do VJing. Os principais artistas dessa área foram Pierre Schaeffer e Karlheinz Stockhausen. Esse novo som instigou a imaginação de filmmakers e animadores. No entanto, foi só nos anos 1960 que as imagens em movimento se expressaram dentro do contexto de mídia eletrônica: a conexão tecnológica entre imagem e som foi estabelecida.

A chegada da mídia eletrônica e especialmente da mídia digital nos faz repensar a influência do movimento dadaísta e seu uso pioneiro da técnica de cortes. Tristan Tzara criou um poema ao colocar palavras em seqüência randômica, apenas tiradas de um depósito, uma depois da outra. Não apenas se tratava de uma forma de improvisação, mas também um antecedente do que depois seria conhecido como sampling. Isso teve uma enorme influência nas artes e cultura do século XX. Primeiramente notada na literatura e logo depois desenvolvido no campo das imagens e sons eletrônicos. O sampling permite que os componentes de linguagens sejam vistos de forma isolada. Quando bem aplicado pode criar e subverter significados de maneira admirável. Porém, quando mal ou usado em vão, cria erosões de sentido transforma-se em ruído.

O fato de que entramos na era digital acarretou algumas mudanças inesperadas no campo artístico. O aparecimento do protocolo MIDI e outras tecnologias que integram com facilidade tecnologias de imagem e de som ampliaram as possibilidades de link entre vídeo e música. A popularização do computador se tornou elementar na indústria cinematográfica e permitiu a virtualidade do armazenamento de informação como banco de dados, tornando-a mais viável. E se tornou elementar também no ambiente, transformando o modo como o mundo é hoje apresentado para nós. Essa nova forma de apresentação é feita por computação gráfica e não apenas como interface digital, mas toda a cultura foi penetrada por conceitos e design digitais.

A portabilidade e satisfatório processamento de imagens por laptops somado ao surgimento de novas tecnologias de formatos para vídeo e música e aumento da conectividade e suporte na internet ofereceram aos VJs e artistas uma ampla possibilidade criação. Como formato, o DVD bateu o recorde em termos de velocidade de adoção e transformou nosso modo de escutar, assistir e interagir com as imagens. Novos formatos de alta definição possibilitam uma maior capacidade de armazenamento [27 gigas, como no caso do HD DVD e Blu Ray] ao mesmo tempo em que aumentam a possibilidade de interatividade.

A imagem feita por pixels tornou-se mais maleável e manipulável, podendo ser alterada em qualquer tempo e em tempo real. Uma nova tecnologia de interface entre observador e técnica tornou a imagem um sistema que reage ao movimento do observador. A imagem e o observador em movimento resultaram na imagem interativa, um grande salto na história das imagens.

No contexto das influências que a arte do VJing teve por diversos campos da cultura, fica claro que as práticas associadas a ele é bastante flexível. Além disso, elas têm um trânsito amplo, o que permite que sejam apresentadas em galerias, clubes, teatros ou em eventos em geral. Elas podem ser classificadas como arte, design, tecnologia, como cultura popular e arte de rua, como também podem ser visualizadas pela internet.

A prática experimental videográfica em tempo real é singular dentro da cultura visual contemporânea, pois são produzidas em confluência com outros campos da cultura e fornece uma experiência menos alienada que a televisão ao mesmo tempo em que explora o caráter multisensorial do vídeo quando associado a ambientes imersivos. O vídeo ao vivo envolve o estado de obra inacabada e efêmera e inclui em seu processo possibilidade de diálogo com a cultura digital, características estas que descontroem as formas videográficas tradicionais. O termo “arte” pode não ser o mais correto para definir esses experimentos, pois se localizam numa interseção entre espaços como a galeria e a pista de dança, dificultando classificações e, talvez, obrigando uma revisão de conceitos.

Referências Bibliográficas

ALLEN, Chris, “Sampling”. In: FAULKNER, Michael. VJ audio-visual art + VJ culture. London: Laurence Kind Publishing Ltd, 2006.

BAMBOZZI, Lucas. “Outros Cinemas”. In: MACIEL, Katia; PARENTE, André. Redes Sensoriais: arte, ciência e tecnologia. Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2003.

DOWNS, Mike. “Technologies and Advances in Consumer Formats”. In: FAULKNER, Michael. Audiovisual art + VJ culture. London: Laurence Kind Publishing Ltd, 2006.

FAULKNER, Michael. Audiovisual art + VJ culture. London: Laurence Kind Publishing Ltd, 2006.

MACHADO, Arlindo. “As linhas de força do vídeo brasileiro”. In: Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.

MAKELA, Mia. Live cinema language and elements. Disponível em:
http://www.solu.org/writings.html. Acesso em: 20 Maio, 2007

_____________. Narrative structures for live cinema. Disponível em:
http://www.solu.org/writings.html. Acesso em 25 de Maio, 2007.

MELLO, Christine. Extremidades do Vídeo. Disponível em: http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/17772/1/R0788-1.pdf . Acesso em 20 de Maio, 2007.

REISER, Martin e ZAPP, Andrea. New Screen Media: Cinema, art and the reinvention of narrative. Karlshuhe/Londres: ZKM/British Film Institute, 2002.

SHAW, Jeffrey. “Movies after film – The digitally expanded cinema”. In: REISER, Martin; ZAPP, Andrea. New Screen Media: Cinema, art and the reinvention of narrative. Karlshuhe/Londres: ZKM/British Film Institute, 2002.

SORRENTINO, Olivier. Olivier Sorrentino Interview. In: SPINRAD, Paul. The VJ Book. Los Angeles: Feral House, 2005.

VIRKHAUS, Vello. “Concert Visuals”. In: FAULKNER, Michael. Audiovisual art + VJ culture. London: Laurence Kind Publishing Ltd, 2006.
WEIBEL, Peter. “Multiple Projection and Multiple Narration (Past and Future)”. In: REISER, Martin; ZAPP, Andrea. New Screen Media: Cinema, art and the reinvention of narrative. Karlshuhe/Londres: ZKM/British Film Institute, 2002
Notas de roda-pé

[1] Trabalho apresentado ao Intercom Júnior, no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
[2] Aluna da Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – habilitação Comunicação e Multimeios. maluteodoro@yahoo.com.br
[3] VJ ou “veejay” (de Video Jockey, em analogia com disc jockey ou DJ ou “deejay”) é um termo criado no início dos anos 1980 para descrever os jovens de cara renovada que apresentavam os vídeos de música na MTV. A palavra VJ também é usada para descrever os artistas que fazem performance com vídeo para criar imagens ao vivo para todos os tipos de música (conforme a Wikipedia no endereço en.wikipedia.org/wiki/VJ , acessado em 17 de agosto de 2006). Neste artigo o termo será usado de acordo com a segunda definição. O Vjing também é chamado de live-image, live-cinema, live-visuals, real-time-video, videotagem, veejaying, VDJ, etc.
[4] O site VJ CENTRAL é um dos principais portais para VJs onde essas discussões acontecem. www.vjcentral.com
[5] O fórum VJBR discute a cena VJ no Brasil. www.vjbr.org
[6] Lucas Bambozzi é artista, videomaker e VJ mineiro. Atua no coletivo feitoamaos. http://www.feitoamaos.com.br/
[7] BAMBOZZI, Lucas. “Outros Cinemas”. IN: Maciel, Katia; Parente, André. Redes Sensoriais: arte, ciência e tecnologia. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2003.
[8] Conforme http://pt.wikipedia.org/wiki/DJ: “DJ” (abreviação de Disc-Jockey) é a pessoa que seleciona e toca músicas previamente gravadas para o público. Existem vários tipos de DJ: o rádio-DJ toca músicas para a programação AM, FM ou estações digitais, Clube-DJ seleciona, toda e cria músicas em clubes, festas e raves. Neste artigo o termo será usado de acordo com a segunda definição. Acessado em 25 de Maio de 2007.
[9] Conforme http://en.wikipedia.org/wiki/Gesamtkunstwerk: “Gesamtkunstwerk ("total work of art", ou "complete-art work") é um termo alemão atribuído à ópera do compositor alemão Richard Wagner e refere-se a uma performance que envolve música, teatro e artes visuais. Wagner criticava a ópera de seu tempo, principalmente pelo modo com que a música era usada e pela falta de dramaticidade. “Gesamtkunstwerk” significa literalmente “síntese das artes”, e o termo é usado ainda hoje para descrever qualquer integração de múltiplas formas de arte.
[10] O sintetizador de vídeo é um instrumento capaz de produzir vídeo eletronicamente, seguindo o modelo dos sintetizadores de áudio, como o Moog, o mais conhecido e largamente usado instrumento musical eletrônico.
[11] Conforme http://en.wikipedia.org/wiki/rave: “rave” é um evento de longa duração em que DJs e outros performers tocam variados estilos de música eletrônica, como techno, house e dance. A expressão foi originalmente usada por caribenhos em Londres durante os anos 1960 para descrever uma festa. No final dos anos 1980 o termo começou a ser usado para descrever a cultura rave. Acesso em 15 de Maio de 2007.
[12] VJs atuais ainda bebem dessa fonte – é comum vê-los usando câmera no meio da multidão e projetar isto.

2 comentários:

maria teodora disse...

que gracinha, cê arrumou tudo.
obrigada!

ps- mas duvido que leu!

Anônimo disse...

uhuhu