quarta-feira, 2 de maio de 2007

Postei primeiro que o Olavo

Roças, maracas e um dengoso banho de sangue na piscina do Frei Damião.
meia-dúzia de minutos na vida de um senhor frágil e arrependido.
vol 1: o lugar mais aconchegante do lar.


Olavo Walter

Não sei se já lhes contei aquela velha história de minhas férias frustradas na cozinha americana. Foi um longo caminho até descobrir o que eu queria, minhas vontades, limitações, ou seja, o que eu realmente poderia fazer durante todo esse tempo. O que, no começo, parecia bobagem, apenas uma viagem que deu errado, no fim se mostrou a vitória de um homem contra a natureza. O que eu poderia fazer durante todo esse tempo? Um ovo cozido, batatas e meia dúzia de hambúrgueres.

Assim vivi durante todas as férias, jogado nos cantos, contra os cantos, cantando a interminável marca sintética dos salgadinhos de milho com isopor, sem dor e sem cor. Aquele barulho fino e sibilante, a voz que soprava aos meus ouvidos confissões que outrora já haviam sido esquecidas pelos barbeiros sem mãos, pelos pedreiros sem pernas ou pelos gaitistas de lábios leporinos. A fala dialética da panela de pressão e seu significado imortal: o feijão estava pronto.

Raspava os pêlos de meu traseiro gordo e inerte com espátulas de ferro, embebidas em óleo velho e grudento, resquícios mortais de uma galinha que não soube morrer decentemente. Algo poderia morrer decentemente? “Cockladoo-odlee-doo”, me gritavam as suas plásticas irmãs anglo-saxônicas, penduradas na geladeira, na eterna espera de uma visita idiota prestes a pressioná-las contra a parede.

Uma bela tarde, confessionei à maçã podre que descansava pela metade no tanque, negra, oxigenada, quase uma popstar do mundo do funk. Nunca mais voltaria às baixezas do banheiro, à luxúria do quarto ou à prepotência da sala de jantar. Ali, eu tinha o mundo, e o mundo me tinha: pias, copos, pratos, um exaustor e até mesmo um belo processador de suco elétrico, pronto para mastigar toda a complexidade do universo em poucos movimentos. E o melhor: podia ferver meus detritos, joga-los fora, lavar-me com sucos de diversas frutas e, por, fim, sentar-me performaticamente à janela, utilizando do vento que dela emanava para secar-me, sentido também os movimentos de um cosmos que era só meu e da geladeira.

Passavam-se dias, meses, anos, e minhas tetas cresciam de um peito liso e estável em direção ao frio chão, cortando caminho pelas axilas. Mamãe costumava me avisar, para nunca ingerir doces antes da janta. Pobre mamãe, viraria do avesso se por acaso visse o filho perder-se em tanta gula e nojo, no seu retiro de uma única atividade: comer como se fosse o último movimento do universo.

Ás voltas com tanta falta de primor por minha compleição física, no fim dos tempos já me encontrava sem dentes, não me punha mais de pé devido à falta de funcionalidade de meus joelhos. As unhas tinham uma coloração amarelada, de alçafrão industrializado, e os pés possuíam um roxo groselha que alegrariam a vista de uma criança gorda. Por que continuar no chão, por que digerir sempre e avante? Era inverno, as janelas tinham de se manter fechadas. O ar possuía uma coloração verde, de tanto metano expurgado em sua atmosfera. Não, o exaustor não funcionava mais: cuspia gordura por seus poros e melecava meus cabelos com o sólido feito do gasoso.

Devagarmente, enrolei-me em meus cataclismas e, num movimento balético de fragmentação do eu lírico, estiquei-me incessantemente até chegar à forma cônica e cômica de uma lombriga nojenta e brilhante. Finalmente, deixei o chão e me alojei na cesta de frutas.

Hoje, tenho sucesso e alegria. Vivo no estômago de meu filho Jonas e espero incessantemente pelo bolo de chocolate que sua mãe, uma bela composição de proteínas, prepara para o lanche do crepúsculo.

Um comentário:

Anônimo disse...

nao era pra colocar isso aqui